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No puedes comprar la lluvia

A tal da história da privatização do Aquífero Guarani é fake, pero no mucho… De fato, não existe, assim literalmente, uma negociação de privatização sendo feita diretamente com a coca-cola e a nestlé, e foi isso que os sites e-farsas e Boatos.org se propuseram a desmentir. No entanto, existe sim, em consulta no Senado, uma proposta do Tasso Jereissati (PSDB), que introduz “mercados de água” não só no aquífero guarani, como no país todo. A proposta modifica um artigo que atualmente proíbe a alienação de águas, resultando em um ambiente mais privatista e excludente com relação aos recursos do que o que já existe hoje (que não pode ser considerado totalmente público).

A justificativa para o projeto, como qualquer justificativa de mercado para alocar recursos naturais escassos e de primeira necessidade, é bizarra: “promover alocação eficiente dos recursos hídricos, especialmente em regiões com alta incidência de conflitos pelo uso de recursos hídricos”. Quer dizer, tem alta incidência de conflito, então leva quem tiver mais dinheiro. Faz bastante sentido mesmo, ainda mais em se tratando de água!

Para tornar os recursos hídricos nomeadamente privatizados, tal como ocorre no paraíso neoliberal chileno, seria necessário uma PEC, mas isso é coisa que a gente sabe que não é impossível nem improvável de ser feita no desgoverno em que vivemos.

Da mesma forma, não é porque coca-cola e nestlé não estão de fato comprando o aquífero hoje que não exista interesse crescente e encontros constantes dessas empresas e de outras com o governo para discutir como modificar a legislação e lucrar em cima da água e outros recursos. Nesse mês, grandes empresas participam do fórum mundial das águas, custeado com dinheiro público e organizado para empresas pelo governo, negando voz aos movimentos sociais. Para se contrapor a isso, foi organizado o Fórum Alternativo Mundial da Água, pela sociedade civil organizada, e com dinheiro de doações: http://fama2018.org/.

Mientras, fiquemos com a memória e a força dos civis mortos por lutarem contra a privatização da água em Cochabamba e com uma música de luta para acalentar o coração.

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Presentes

(Post de 15/03/2018)

Três dias atrás Paulo Sérgio, representante quilombola, foi assassinado por ter denunciado que a empresa norueguesa Hydro, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo, jogava reiteradamente rejeitos químicos nos rios de Barcarena. Paulo Sergio havia solicitado proteção que foi negada pelo governo do Pará. Ele ficará presente na história ao lado de tantos outros assassinados políticos no Brasil, país que é o mais perigoso do mundo para ambientalistas. Ontem Marielle, relatora da comissão da intervenção no RJ, foi assassinada por ser uma vereadora de luta, que não se calava, que denunciava a violência policial e das milícias.

Essas atrocidades me lembram as inúmeras discussões que já tive com pessoas que me dizem “vocês, de esquerda, militantes, só reclamam e não propõem nada” ou “vocês só falam e não fazem nada”. Essas pessoas infelizmente desconhecem que as ações e proposições daqueles que lutam contra o poder são invisibilizadas ou inviabilizadas pelo dinheiro, pela lei burguesa, pela propaganda ou pela violência explícita, de forma que é justamente por isso que eles creem que “só falamos e não fazemos”. Pessoas de luta fazem coisas sobre-humanas e fazem o tempo inteiro, vivem para isso e não raro dão a vida por isso. Contra todas as adversidades e violência, fazem coisas lindas que todos os dias são apagadas e têm que ser reconstruídas do zero, com uma força inacreditável. E aqueles que nasceram com a coragem necessária para estarem na linha de frente, falando e fazendo, são frequentemente calados à bala, seja por milicianos, polícia, ruralistas, políticos, pessoas ou empresas poderosas.

Estamos vivendo um governo não eleito que retira direitos todos os dias e massacra a população com uma política privatista e neoliberal voraz. Em um país com pessoas vestindo camisetas pró-bolsonaro na rua, querendo mais armas para todos e extinção das minorias. Podemos não ser as pessoas mais qualificadas ou mais corajosas para fazermos a luta necessária e batermos de frente com isso, mas são os nossos corpos que estão aqui nesse momento da história, e coragem e posicionamento é o que esse momento exige de todos que se importam. As vidas e as mortes de Marielle, Paulo Sérgio, e de tantos pequenos agricultores, indígenas e militantes não serão em vão. A luta deles nos alimenta e a voz deles ecoa muito mais forte cada vez que a violência as tenta calar. Sigo muito triste no dia de hoje, mas com muito mais força do que ontem.