Austeridade, Brasil, Economia, Política, Reforma Trabalhista

A culpa é das estrelas

Isabela Prado Callegari

04 de Abril de 2019

A direita agora diz que apesar da maravilhosa Reforma Trabalhista, o desemprego segue crescendo porque a retomada do crescimento está fraca e os empresários não estão confiantes o suficiente. Ué, mas não era a confiança dos empresários que trazia crescimento? A causalidade mudou agora? Também dizem que apesar da incrível PEC do Teto e da Reforma Trabalhista, a confiança ainda não veio de vez porque esse governo não passa estabilidade. Mas não foram eles que colocaram no poder um lunático fascistóide, que governa pelo twitter? Pelo menos, parece que está ficando inviável colocar a culpa no PT e jogaram a culpa para generalidades abstratas, como “o crescimento” e “a estabilidade”. Podem aproveitar que têm um astrólogo como mentor intelectual e começar a botar a culpa no alinhamento dos planetas também.

Ortodoxos argumentam com base em princípios invertidos de causalidade. A relação entre investimento e poupança é bom exemplo dessa inversão, visto que partem de um funcionamento ultrapassado do mecanismo de criação do dinheiro, e por isso argumentam que deve haver poupança prévia ao investimento. Heterodoxos, por outro lado, defendem que o investimento estatal é prévio a poupança, e essa é gerada por meio do multiplicador econômico. Keynes já em 1930 argumentava sob um entendimento de que o dinheiro não tem mais lastro físico (o que ocorre desde 1914), sendo assim, criado pelo Estado tendo como contrapartida apenas um papel de dívida. Por isso, pode-se “injetar dinheiro na economia” por meio de investimentos diretos ou facilitação de crédito e isso gerará demanda, produção, empregos e renda maiores do que o montante do investimento inicial. Assim, gera-se a poupança que pode pagar a dívida emitida inicialmente, causalidade que ficou comprovada pelo sucesso do new deal. Claro que o montante que pode ser emitido, o nível de dívida que pode ser sustentado, e como o multiplicador econômico irá agir, depende de uma série de fatores particulares, como a hierarquia de moedas, as reservas internas, o momento macroecônomico etc.

Só não é possível saber o quanto é ingênuo ou o quanto é dissimulado o entendimento da ortodoxia, porque toda essa linha de raciocínio fornece as bases para argumentos privatistas, de austeridade fiscal, venda de patrimônio e fim de serviços públicos. Quando a lógica ortodoxa está sendo desmentida pelos fatos, invertem subitamente as causalidades ou dizem que é porque não se liberalizou o suficiente e o tal do capitalismo ainda nem existiu…

Brasil, Desigualdade / Inequality, Economia, Reforma Trabalhista, Sociologia

Falta de imaginação sociológica

Eu tenho pra mim que poucas pessoas são intencionalmente “más”, no sentido mais primário do termo, como as que intencionam infligir mal aos outros para o prazer ou benefício próprio. Claro que elas existem, mas acho que são minoria. Ainda mais quando se trata de sociedade e da defesa de ações, mais ou menos genéricas, que afetam desconhecidos por caminhos, muitas vezes, também desconhecidos. A maioria das posições defendidas no debate público se dão pela confiança de que aquela é a melhor solução social, ou pela mera repetição de crenças profundamente arraigadas, não questionadas dentro de si, ou por não enxergar a vida do outro, ou por não compreender os mecanismos sociais que a influenciam e nem como esses se relacionam com seus próprios privilégios, benefícios, opressões.
O rico investidor entrevistado nessa matéria é um bom exemplo. Eu considero honestas as suas respostas, e acredito até na sua boa índole. Acontece que seu pensamento (profundamente disseminado no senso comum) é de uma ingenuidade que tem efeitos perversos no tecido social. Ele crê que atrocidades cometidas em nome de lucro para investidores são uma exceção à regra. Uma regra, por sua vez, de investidores e empresários éticos, responsáveis, compassivos, que por alguma razão misteriosa irão fazer mais do que a lei determina. Ele mesmo diz que saiu da Estácio de Sá porque não concordava com essa busca de lucro prejudicial. De acordo com ele, “o mercado financeiro quer resultados no curto prazo e muitas vezes isso fere ‘um pouquinho’ a qualidade” e “quem acabou com o Fies foram os próprios donos das instituições. Em vez de fazerem o Fies cumprir sua função social, de atender o aluno que não podia pagar, eles ofereceram a quem podia pagar.”
Ignorando por um segundo que a regra do capitalismo é unicamente o lucro, e supondo que a maioria dos empresários subitamente pense no bem comum, qualquer construção de uma sociedade deve partir da pergunta: o que acontecerá quando eventualmente esse não for mais o caso? Quando eles forem substituídos por seus filhos ou por outros empresários, que eventualmente queiram buscar mais lucro e se lixar pro bem comum? Ou quando o cenário econômico mudar e de repente não der mais pra ser tão “bonzinho”? A sociedade não pode estar sujeita ao bom humor ou à ética variável de uns poucos. E também não pode ficar sujeita à capacidade pífia de consumidores precarizados e empobrecidos em “boicotar” empresas “antiéticas”.
É pra isso que existem leis, que, por mais imperfeitas que possam ser, são construídas coletivamente, baseadas na luta e nos acontecimentos históricos, necessárias para estabelecer o mínimo de dignidade aos trabalhadores, defender a parte fraca e garantir que o destino de milhares de pessoas não fique na mão da boa vontade, índole ou humor de uns poucos. Afinal, de acordo com os próprios ideólogos capitalistas, se a “natureza” do ser humano é ser ruim, é uma inconsistência lógica e desonestidade intelectual defender que a ética individual dos mais abastados irá nos salvar. Não é difícil entender isso, mas parece que é cada vez mais necessário explicar.
Brasil, Congresso, Política, Reforma Trabalhista

As reformas, os direitos e a economia: o que sobrará depois?

(Texto publicado em Le Monde Diplomatique Brasil)

Por Isabela Prado Callegari, Queren Rodrigues e Beatriz Passarelli Gomes

Mestrandas em Economia pela Unicamp

A despeito dos acontecimentos recentes implicando a presidência, as reformas e medidas econômicas ainda seguem vivas e a elas que devemos atentar, independente do que venha a acontecer no Executivo daqui pra frente. Carmen Lúcia, presidente do Supremo, que eventualmente pode assumir o país, já vinha se reunindo com grandes empresários nas últimas semanas[1], e Henrique Meirelles, principal articulador da política econômica com os bancos, já afirmou que seguirá a mesma linha com ou sem Temer na presidência[2]. As medidas que seguem sendo impostas são rejeitadas pela ampla maioria da sociedade e derivam do acordo explícito entre um Executivo ilegítimo, um Legislativo não representativo[3] e confederações patronais[4]. Medidas como PEC do Teto[5], Reforma do Ensino Médio[6], Reformas Previdenciária[7] e Trabalhista[8], MP da Regularização Fundiária[9], desmonte do BNDES[10], aparelhamento e sucateamento da Funai[11], precarização do licenciamento ambiental[12], cerceamento dos direitos indígenas e sua criminalização[13], têm a característica comum de não serem medidas conjunturais, mas de modificarem o pacto constitucional firmado em 1988[14], e a possibilidade de atuação do Estado, com impactos estruturais, de curto, médio e longo prazo. O fato de medidas estruturais tão profundas estarem sendo implementadas de forma impositiva e sem diálogo nenhum já seria razão suficiente para invalidá-las no que concerne uma democracia. No entanto, analisaremos aqui algumas das falácias e dos possíveis desdobramentos econômicos e sociais do cenário que vem se desenhando.

Economistas ortodoxos aplaudem as medidas do governo e nunca se furtam em repetir o argumento irremediavelmente arrogante de que os defensores da regulação governamental possuem propósitos nobres de proteção e preocupação com o trabalhador, mas que infelizmente, propósitos bem-intencionados servem apenas para minar a autorregulação do mercado, resultando em um cenário pior para os próprios trabalhadores. Propõem que não tratemos o trabalhador como “coitadinho”, pois a livre negociação será benéfica para todos. Dizem que o patrão e trabalhador não devem ser vistos como antagônicos, pois estão do mesmo lado, e que as leis atuais protegem apenas a parcela da população que está formalizada e cria incentivos para a informalidade. Dizem ainda que a reforma trabalhista aumentará a produtividade do país. Quanto a esses argumentos, é necessário fazer alguns comentários.

1) Os defensores das propostas dizem da datação da CLT, mas não mencionam que 923 dos seus artigos iniciais já foram alterados e que a reforma em questão regride a legislação ao que ela era antes de 1943[15]. 2) Diversas propostas atuais apenas criam um cenário no qual a lei é totalmente favorável ao empregador, como o aumento da jornada de trabalho, relativização do que é insalubridade e trabalho escravo. Desse modo, a retórica “menos Estado, mais mercado” não passa de uma frase de impacto, que na verdade significa o mesmo Estado, servindo menos a um lado e mais a outro. 3) Todas as medidas beneficiam no texto da lei os empregadores, mas, curiosamente, seria só por um mecanismo mais complexo e etéreo de ajuste de mercado que elas beneficiariam também o trabalhador. 4) Todas as medidas transferem o risco do patrão para o trabalhador, como, por exemplo, flexibilização da jornada, onde o empregador define os horários e o salário a posteriori e o empregado tem que adequar sua rotina e sua renda[16]. De acordo com a própria teoria ortodoxa, na qual o lucro do empresário é uma recompensa pelo seu risco, seria então esperado que os lucros caíssem consideravelmente daqui pra frente. 5) Se trabalhador e patrão estão “do mesmo lado”, então por que o que beneficia o trabalhador é sempre ruim para todos, mas o que beneficia o patrão é sempre bom para todos? 6) Se a reforma acaba com qualquer tipo de proteção que existe atualmente[17], qual é a vantagem de um informalizado se formalizar sob as novas regras? Por outro lado, os trabalhadores formais, que representavam um contingente crescente nos últimos 10 anos[18], terão seus direitos extorquidos. 7) É irônico que zelar pelo respeito mínimo às condições de vida seja coitadismo, enquanto tratar os trabalhadores como ignorantes econômicos, que não enxergam as benesses da reforma e necessitam de economistas, que exerçam a tutela do incapaz sobre eles, seja entendido como dignificante. 8) É curioso que os defensores de tais medidas acreditem que elas são fruto de planos econômicos refinados e não de um deprimente balcão de negócios, no qual o trabalhador não está presente. Basta ver que a reforma trabalhista se iniciou com uma proposta de 9 páginas (apresentada às pressas, logo após a menção de Temer na Lava Jato), e no período de dois meses se transformou em um desmonte amplo da CLT com 132 páginas[19], escritas por parlamentares tão ou mais ignorantes em economia do que qualquer outro cidadão, mas que, no entanto, padecem de conflitos de interesse explícitos. 9) Por fim, é totalmente absurda a afirmação de que a reforma trabalhista aumentará a produtividade. Se a produtividade é o valor produzido por hora, é muito mais provável que o valor produzido por hora diminua, uma vez que os trabalhadores certamente estarão mais exauridos. O que irá acontecer é o aumento do lucro por hora e o aumento das horas trabalhadas. Isso não significa que o país estará produzindo valor agregado de forma mais eficiente, significa apenas que os trabalhadores estarão mais explorados, produzindo mais lucro, que pode ser apenas retido e não reinvestido.

Feitas essas considerações, sabemos que a tese central dos defensores das reformas é de que tudo isso irá beneficiar o “ambiente de negócios”, trazer “segurança jurídica”, “solvência”, “aumentar a confiança” e aumentar o crescimento. Esse é o mecanismo pelo qual os trabalhadores seriam finalmente beneficiados, ainda que tenham perdido seu direito à mínima dignidade. O governo se ancora nessa base teórica e se orgulha em não se importar com a popularidade abissal, pela suposta coragem de dar o remédio amargo e necessário à população[20]. Realmente, tirar todo o risco do capital e diminuir o custo do trabalho faz com que o patrão tenha incentivos para expandir a produção. No entanto, o desejo do empresário é o único fator determinante em uma economia? Se estamos em um sistema capitalista, mesmo que você seja a favor do capitalista, o sistema não deixa de existir. E um sistema, por definição, é um mecanismo onde as partes são interdependentes. Assim, os incentivos somente a um lado são suficientes para realizar a produção e vendê-la? Para quem seria vendido um aumento da produção, se 97% da população ativa que não é empregadora estiver com seu salário diminuído e maior instabilidade financeira? Expandir para o mercado externo, por sua vez, depende apenas do custo do trabalho e não do câmbio? Por outro lado, a contratação de mão de obra por empresas estrangeiras que se instalarem aqui irá compensar a quebra de outras empresas que não suportarem a competição? Além disso, com supressão de intervalos e férias, trabalho intermitente infinito, aumento da jornada e horas extras não remuneradas, é muito mais plausível que o empregador diminua a mão de obra contratada, aumente as horas e a contratação de terceirizados com salários mais baixos.

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Todas essas questões não têm resposta única, enquanto a única certeza é a precarização do trabalho e perda de direitos adquiridos. Além de todas as possibilidades que ficam no ar, frente às afirmações simplistas neoliberais, é preciso entender que nunca existe apenas uma resposta possível a uma crise e nem uma fórmula pronta para realizar qualquer política econômica. Na verdade, existem sempre diversas combinações e escolhas possíveis, que irão variar de acordo com os valores que escolhemos privilegiar enquanto sociedade, acarretando em mais ou menos injustiça social, degradação ambiental, concentração de renda etc. Para citar três exemplos: 1) a tão falada “responsabilidade fiscal” poderia ser adotada por meio de reforma tributária progressiva, diminuindo impostos sobre consumo, taxando mais os ricos e restabelecendo o imposto sobre lucros e dividendos, no entanto preferiu-se fazer uma PEC, que congela gastos sociais, já exíguos, frente a uma população crescente, pobre e dependente de programas assistenciais, como farmácia popular, para sobreviver[21]. A isso o governo chama de “cortar na carne”. 2) A sustentabilidade da previdência poderia ser atingida acabando com as desvinculações de receita da união, com a revisão de aposentadorias desproporcionalmente onerosas como a dos militares, com a extinção de isenções que o agronegócio usufrui desde 1990, e com o aumento do controle sobre a sonegação. Ao invés disso, prefere-se renovar sucessivos pacotes de refinanciamento que dificultam a cobrança de dívidas bilionárias, manter aposentadorias privilegiadas, e inserir novas injustiças, como aumento da idade mínima, exigência de contribuição para a aposentadoria rural, e redução das pensões por morte e invalidez. Ao mesmo tempo em que a reforma trabalhista esvazia a arrecadação ao INSS de uma hora para outra, auto-realizando a sua alardeada “quebra”, e satisfazendo os donos de previdências privadas. 3) Quanto à produtividade, é crescente o número de estudos que apontam para a complexidade produtiva, alcançada por meio da indústria, como o fator primordial para o aumento da produtividade[22]. No entanto, o governo, seguindo a política ortodoxa, é explicitamente favorável ao câmbio valorizado, que está altamente correlacionado à desindustrialização à expansão do agronegócio[23]. Além disso, incentivam ainda mais o agronegócio, e a baixa produtividade, por meio diversas outras medidas, que são também uma sentença para o meio ambiente e os povos tradicionais, como facilitação de venda de terras para estrangeiros, facilitação de regularização das terras griladas, diminuição dos parques nacionais e restrição às demarcações de terras indígenas, para a expansão da fronteira agrícola. De quebra, a reforma do Ensino Médio ainda diminui a qualificação da população economicamente ativa (da parcela já empobrecida).

Fica claro que as escolhas feitas pelo atual governo, com requintes de crueldade na maioria das vezes, e a despeito da opinião popular, dizem muito mais sobre valores implícitos e a quem o governo pretende agradar, do que qualquer coisa sobre expertise econômica e enfrentamento da crise. Obviamente, o governo precisava aproveitar a crise para empurrar o pacote de maldades à população e eventualmente dizer, com a ajuda da grande mídia, que a economia se recuperou por causa de tais reformas, e que elas eram inevitáveis. Depois das reformas já feitas, qualquer argumento contrário será contrafactual, ou seja, versará sobre algo que poderia ter sido e não foi. A visão do governo será então a história como ela é, e a eventual recuperação econômica terá se dado por causa das reformas, e não apesar delas. Cedo ou tarde, a economia voltará a crescer, tanto porque ela é reflexo conjuntural de uma crise internacional, como porque as economias capitalistas tendem a movimentos cíclicos. A esse ponto, qualquer estímulo anti-cíclico terá o efeito desejado de crescimento, e uma resposta anticíclica é de interesse também do governo, não só pela possível candidatura de alguém da sua base, se houverem eleições, mas também e principalmente, porque o golpe tem que se pagar para além da perda de direitos. Seria ingenuidade pensarmos que o governo deixaria a crise seguir se aprofundando, afetando o lucro dos empresários que o apoiam. Vários motivos levam a crer que a crise econômica foi utilizada para inflamar a instabilidade política, que por sua vez, serve para viabilizar o acordo classista acima mencionado, que exclui os trabalhadores.

Um breve preâmbulo sobre a situação dos estados nos fornece ainda mais evidências nesse sentido. Há meses, os estados governados pelo PMDB, notadamente, RJ e RS, vêm sofrendo privatizações[24], extinção de fundações públicas[25], e parcelamento ou não pagamento de milhares de seus servidores, pensionistas e aposentados[26], supostamente por falta de dinheiro e necessidade de renegociação da dívida com a União. No entanto, outros gastos, como consultorias, cargos comissionados e salários dos próprios governadores e parlamentares, continuam em dia e até mesmo recebendo aumentos[27][28][29]. Ao mesmo tempo, o estado de Minas Gerais, também em calamidade financeira mas não governado pelo PMDB, não aceitou as imposições do governo federal e contestou a dívida, resultando em ganho de causa no STF para o estado, invertendo a situação, e colocando a União como credora[30]. Tais fatos denotam como a crise e a dívida podem ser usadas politicamente de forma orquestrada para privatizações e justificativa para as reformas. Assim, acreditamos que o Executivo, tanto a nível federal como nos estados pertencentes à base, e em aliança com as Confederações, está cultivando a sensação generalizada de terra arrasada, para aprovar as medidas, e aguardando o momento preciso para fazer uso de alguns elementos chave, impulsionando a economia e, ao mesmo tempo, celebrando o suposto sucesso das reformas. Tais elementos seriam: (i) a liberação em dia do pagamento dos servidores, pensionistas e aposentados nos estados; (ii) a implementação do pacote de investimentos anunciado por Michel Temer[31]; (iii) o “retorno da confiança” alardeado pelas agências de rating, economistas e mídia, que já começa a acontecer, mesmo com base em crescimento ilusório, que deriva de uma mudança metodológica do IBGE[32]; (iv) a consequente retomada de contratações e de utilização da capacidade ociosa das empresas, por expectativas auto-realizáveis e por coordenação com o grande empresariado; (v) a taxa de juros, que vem sendo baixada, também pela coordenação de Meirelles com o grande capital, que investe nas reformas como benéficas para o maior acúmulo financeiro, independente do efeito social delas; e (vi) a série de privatizações ocorrida, que criará uma ilusão imediata nas contas públicas, decorrente da venda de patrimônio.

Assim, tentamos aqui contrapor algumas das diversas falácias que surgem em meio aos argumentos simplistas e desonestos de defesa das reformas. Buscamos também evidenciar que o impacto de longo prazo, tanto na estrutura produtiva brasileira, como na construção da cidadania e equidade, é trágico. A despeito de tudo isso, temos ouvido os analistas de mercado e da grande mídia satisfeitos e otimistas, pois para esses atores não importa o longo prazo, muito menos os direitos sociais, e o seu otimismo costuma ser auto-realizável. Daqui para frente, caso as reformas passem, é necessário ainda lembrar que níveis de emprego futuros não serão comparáveis aos que temos hoje, pois os trabalhadores estarão formalmente empregados sem ter um salário certo ao fim do mês. A inflação também tende a cair pelo populismo da apreciação cambial, no entanto, se os salários caírem, o real poder de compra da população poderá cair, a despeito da queda da tão temida inflação. Desse modo, as reformas mudam os indicadores e criam ilusões que poderão ser vendidas como melhorias, enquanto a população é cada vez mais explorada, empobrecida e desprovida de bens e serviços públicos. Cabe a nós não permitirmos tamanhas ofensivas sem oferecer nossa mais profunda resistência.

[1] http://www.poder360.com.br/lava-jato/carmen-lucia-stf-tem-encontro-reservado-com-seleto-grupo-de-empresarios/

[2] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1885439-meirelles-diz-que-fica-mesmo-se-temer-sair-e-reafirma-seguir-com-reformas.shtml?cmpid=fb-uolnot

[3] http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/101/no-congresso-nacional-retrato-desfocado-da-sociedade-brasileira-2775.html

[4] http://outraspalavras.net/brasil/homens-primatas-capitalismo-selvagem/

[5] https://www.cartacapital.com.br/economia/entenda-o-que-esta-em-jogo-com-a-aprovacao-da-pec-55

[6] http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/101/no-congresso-nacional-retrato-desfocado-da-sociedade-brasileira-2775.html

[7] http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/03/para-economista-reforma-da-previdencia-e-draconiana-excludente-e-mentirosa

[8] http://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores

[9] http://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2017/04/mpf-considera-inconstitucional-mp-que-altera-regularizacao-fundiaria.html

[10] https://www.pressreader.com/brazil/valor-econ%C3%B4mico/20170406/281762744108787

[11] http://extra.globo.com/noticias/brasil/general-do-exercito-nomeado-presidente-da-funai-21314190.html

[12] http://www.conjur.com.br/2017-mai-02/pl-licenciamento-ambiental-propostas-devastadoras

[13] https://www.brasildefato.com.br/2016/10/24/retrocesso-e-criminalizacao-diagnosticos-de-ameacas-aos-direitos-dos-povos-indigenas/

[14] https://theintercept.com/2017/05/12/um-ano-de-temer-em-10-ataques-a-constituicao/

[15] http://www.jorgesoutomaior.com/blog/pl-678716-sobre-um-parecer-de-leigos-para-ignorantes-ou-de-ignorantes-para-leigos

[16] http://brasildebate.com.br/flexibilizacao-da-jornada-a-quem-interessa/

[17] http://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores

[18] http://www.valor.com.br/brasil/3357378/empregos-formais-no-pais-crescem-657-em-dez-anos-indica-ibge

[19] http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista

[20] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-imprensa-argentina-temer-diz-que-covardia-travou-reformas-e-nao-se-importa-com-popularidade,10000079585

[21] http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/04/farmacias-populares-serao-fechadas-pelo-governo.html

[22] http://www.paulogala.com.br/baixa-produtividade-no-brasil-sistema-ou-individuo/

[23] http://www.paulogala.com.br/apreciacao-cambial-e-queda-da-poupanca-agregada-no-brasil/

[24] http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/Politica/Assembleia%20Legislativa/2017/02/609995/Lider-de-Sartori-admite-novas-privatizacoes-no-RS

[25] http://www.sul21.com.br/jornal/extincao-de-fundacoes-e-grave-erro-diz-coordenador-do-plano-de-governo-de-sartori/

[26] https://extra.globo.com/emprego/servidor-publico/sem-salario-aposentados-pensionistas-do-estado-relatam-dificuldades-financeiras-21189306.html

[27] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1576048-com-crise-financeira-governador-do-rs-aprova-aumento-do-proprio-salario.shtml

[28] http://esquerdadiario.com.br/Em-meio-a-crise-governo-do-RS-aumenta-gastos-com-diarias-e-passagens-aereas

[29] https://extra.globo.com/emprego/servidor-publico/apesar-de-indicativo-de-cortes-numero-de-comissionados-do-estado-do-rio-cresceu-em-junho-19631821.html

[30] http://www.valor.com.br/brasil/4824254/pimentel-decisao-do-stf-sobre-lei-kandir-torna-mg-credor-da-uniao

[31] http://www.valor.com.br/brasil/4963268/temer-lanca-avancar-para-investir-r-59-bi

[32] http://brasildebate.com.br/fim-da-recessao-ou-ilusao-estatistica/#.WRr_Ty6lW7I.whatsapp

Brasil, Congresso, Desigualdade / Inequality, Economia, Reforma Trabalhista

Homens Primatas, Capitalismo Selvagem

(Publicado em Outras Palavras)

Na sexta-feira dia 28 o país passou pela sua maior greve em 30 anos, a primeira greve geral contra as reformas trabalhista e previdenciária[1]. Em consulta popular feita pelo Senado, mais de 95% dos votantes se mostraram contra a reforma trabalhista[2], bem como 80% reprovam a lei da terceirização plena, 93% são contra o aumento da idade para aposentadoria, e a popularidade de Michel Temer beira os 5%[3]. Não é de se espantar tamanha rejeição, uma vez que as propostas recentes têm sido tão abjetas, que parece que os capitalistas brasileiros esqueceram que a sobrevivência do próprio capitalismo depende dos trabalhadores. No entanto, aqueles que insistem em defender as reformas se valem de alguns espantalhos da legislação, de antigas falácias e do discurso de terra arrasada para justificar uma retirada absurda de direitos, cujo único objetivo real é exacerbar a concentração de riqueza no topo da pirâmide. Para alguns economistas, a opinião da população deve ser desconsiderada, sob a alegação de que ela não tem a expertise necessária para entender as reformas. Isto é, os 96,3%[4] das pessoas ocupadas, que não são empresárias, e que terão seus direitos subtraídos e sua vida profundamente alterada, têm sua voz e sua luta ridicularizadas a priori.

Por outro lado, a grande maioria dos economistas famosos, defensores das reformas, nunca teve que se preocupar com coisas menores, como subsistência, e geralmente detém participações e investimentos milionários em empresas e fundos, cujo conflito de interesses deveria colocar sempre sob suspeita suas opiniões. No entanto, tais economistas têm espaços garantidos na grande mídia para desfilarem seu douto conhecimento isento em prol da retirada de direitos alheios. Foi o que fez essa semana, para o Globo, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco[5], em artigo que termina com uma pérola ditatorial: “nenhuma boquinha terminou no Brasil sem certa dose de esperneio e gás lacrimogêneo. A sexta-feira que passou foi dedicada a isso. Vida que segue”. Apesar de ter sido bastante visceral em sua fala, os economistas ortodoxos, como Franco, em geral são mais afeitos à impessoalidade calculista e à representação matemática da realidade, por poderem usar números que melhor lhes convêm, permanecendo sob o véu da isenção matemática. Assim, gostaria de expor aqui alguns números.

Enquanto Franco nos lembra que a Justiça do Trabalho teve um custo de R$9,1 bilhões em 2015, gostaria de lembrar que a mesma Justiça do Trabalho viabilizou aos trabalhadores o pagamento de mais de R$33 bilhões de reais no biênio 2014/2015 em créditos trabalhistas[6]. Não houvesse Justiça do Trabalho, os mesmos R$33 bilhões permaneceriam sendo lucro do empregador e os trabalhadores jamais veriam esse dinheiro. A mesma Justiça do Trabalho também resgatou R$5 bilhões de reais para os cofres públicos no mesmo biênio, a título de custas e contribuições previdenciárias, cuja sonegação recorrente de grandes empresas é um dos motivos do alegado rombo da previdência. É óbvio que a Justiça do Trabalho, como todo o Judiciário é oneroso em seus altos escalões e ninguém está dizendo que isso não deva ser discutido. Acontece que isso não é nem um arremedo de argumento para justificar a extinção do papel da Justiça do Trabalho, muito menos em um país que tem por ano, aproximadamente, 700 mil acidentes de trabalho (subnotificados)[7], que nos últimos 20 anos resgatou mais de 50 mil pessoas em condições análogas à escravidão[8] e cujas empresas acumulam R$426 bilhões somente em dívidas previdenciárias[9].

 

Mito da flexibilização, modernização e aumento de empregos

É imperativo desmistificar a ideia tão alardeada de que os empregadores demandariam mais trabalhadores por não estarem pagando direitos trabalhistas. Na verdade, o processo não parte da diminuição de custos para chegar ao aumento da produção, e sim o inverso. O empregador precisa de empregados para produzir e responder à determinada demanda, e ele vai se esforçar para pagar o mínimo àqueles empregados, dentro das regras do jogo, ou ainda pagando alguns deputados para mudarem as regras do jogo. Por acaso temos atualmente uma taxa de desemprego sistematicamente maior ou uma produção sistematicamente menor por termos leis mais humanas do que na época da escravidão? É absurdo que tenhamos que fazer esse exercício retórico, mas parece que algumas pessoas estão acreditando nesse argumento surreal. É óbvio que trabalhadores são demandados de acordo com a necessidade da produção, sendo que a não existência de direitos trabalhistas garante inclusive que o empregador tenha uma margem de manobra maior para aumentar as horas dos trabalhadores já contratados, sem pagar a mais por isso, antes de pensar em contratar mais gente.

O fato da mão-de-obra se tornar mais baratos para o patrão não vai gerar mais empregos por pelo menos três motivos lógicos, que se respaldam em diversas evidências históricas: 1) Por que seriam demandados mais trabalhadores a um custo menor se não houvesse para quem vender o aumento de produção? 2) Se os trabalhadores tiverem seus salários diminuídos, e uma rotatividade e insegurança maior em seus empregos, eles diminuirão seu consumo, aumentarão o endividamento e a inadimplência. Isso afeta a demanda, que depende da demanda externa, mas principalmente da demanda dos próprios trabalhadores. 3) A única possibilidade minimamente positiva seria se a falta de leis acarretasse diminuição de preços, por menores custos. No entanto, novamente, os trabalhadores teriam seu salário diminuído, então se os preços diminuírem, na verdade, o salário real da população só se manteve igual, não acarretando aumento de demanda e precarizando as suas condições iniciais. Ou seja, de imediato, as certezas que se colocam com essa reforma estrutural são: (i) a precarização, instabilidade e destruição de direitos por um longo prazo, (ii) o aumento de horas trabalhadas e de condições degradantes, (iii) o aumento de lucro de 3% da população economicamente ativa, que é empregadora; e (iv) deixa como opção a diminuição de salário real ou, na melhor das hipóteses, a estabilidade do salário real.

Outra falácia comum da ortodoxia é de que a maior flexibilidade, como a implementação do contrato de zero horas (no qual o trabalhador é permanentemente contratado como temporário, sem horas definidas), facilitaria o ajuste ao aumento ou diminuição da produção. Sim, o sonho de todo o empregador é poder mandar um whatsapp para o empregado e ele se materializar com sua força de trabalho a postos. Ninguém considera nesse cenário a instabilidade brutal a que estarão sujeitos os mais pobres, já precarizados, e a total devoção que os trabalhadores terão de ter daqui para frente para atender aos diversos chamados dessincronizados dos seus múltiplos empregos. Ou melhor, isso foi sim considerado. Para não prejudicar os patrões, o empregado poderá pagar multa caso não consiga comparecer ao trabalho, seja por qual motivo for. Realmente, a confiança dos empresários estará garantida, já a do trabalhador, quem se importa? Sempre há uma fila de precarizados à disposição e o importante é que estaremos deixando o mercado se auto-ajustar com eficiência. Nenhum desses mitos é novo e são inúmeros os estudos, inclusive do insuspeito FMI, que demonstram a incoerência e inveracidade desses argumentos. Movimentações no sentido da flexibilização já foram implementadas no país nos anos 1990, sob a mesma retórica, provocando aumento do desemprego e da desigualdade. A taxa de rotatividade no Brasil é de 46%, uma das mais altas do mundo, e o salário no ano passado registrou patamares menores do que na China, desmistificando também a ideia de que a legislação impede o ajuste do mercado e de que os salários são altos[10].

No âmbito das propostas dos ruralistas à reforma, os absurdos conseguem atingir proporção ainda mais dantesca. Estamos no ano de 2017, creio eu, mas o presidente da bancada ruralista, Nilson Leitão (PSDB), pode vir à público, sem constrangimento algum e propor na Câmara dos Deputados que trabalhadores rurais (14% da população ativa[11]) possam receber moradia e alimento em vez de salários, que possam trabalhar por 12 horas por dia (no campo!), e por 18 dias seguidos, sem folga, dentre outras crueldades inomináveis. Então, vamos explicitar a lógica dessas pessoas, que convivem no mesmo espaço-tempo que nós: alegam que as leis são atrasadas, mas almejam modernizá-las para o século XVII; se existe um alto grau de informalidade, em vez de aumentar a formalidade, como vinha sendo feito[12], desejam institucionalizar a falta de direitos para todos; se temos muitos processos trabalhistas, extinguimos a Justiça do Trabalho; se temos todos os anos resgate de pessoas dormindo em tapumes, sem receber salários, submetidas a jornadas exaustivas e pedindo restos de comida[13], a solução é submeter um projeto de lei legalizando o trabalho escravo.

O mito do imposto sindical

Deixo como referência o texto de Jorge Souto Maior[14], juiz do trabalho, para o aprofundamento em detalhe das demais atrocidades da reforma, mas creio que é necessário aqui discutir um último mito, que foi o principal artifício para desmobilizar e difamar a greve do dia 28, o Imposto ou Contribuição Sindical. Gustavo Franco, em seu artigo já mencionado, ignora ou finge ignorar todos os profundos e reais retrocessos que a reforma garante aos trabalhadores e alega que a greve foi destinada a garantir a boquinha dos sindicatos e por isso era normal haver esperneio e gás lacrimogêneo. A desonestidade intelectual já fica explícita uma vez que a greve geral foi convocada em 27 de março, e a proposta de acabar com o imposto sindical só foi incluída no parecer de Rogério Marinho em 12 de abril[15]. O argumento é ainda mais risível, uma vez que a CUT e o Ministério Público do Trabalho, participantes ativos da greve geral, são historicamente contra o Imposto Sindical[16]. Mesmo porque as grandes centrais não são dependentes dessa fonte de financiamento, assim como não o são as grandes confederações patronais (FIESP, CNI, CNA, FIRJAN, CNC). E por isso podem defender de peito aberto o fim da contribuição sindical e da contribuição patronal[17]. Para a FIESP, por exemplo, o valor da contribuição patronal representa apenas 10% do seu orçamento, pois na verdade, as confederações sobrevivem de um desvio de recursos públicos muito maior, por meio do sistema S (SESC, SENAI, SENAC, SENAT etc.). Enquanto as contribuições sindicais equivalem a R$2,1 bilhões ao ano, as patronais equivalem a R$934 milhões, e as receitas do sistema S, a R$16 bilhões[18].

Ainda à luz desses dados, o fim das contribuições, sindical e patronal, gerou mais tensões dentro da base do próprio governo do que na motivação das pessoas que foram às ruas contra as reformas. Skaf a princípio se colocou contrário a perder esses milhões por ano e solicitou almoço com o relator Rogério Marinho para discutir o tema[19], em seguida calculou que seria melhor se colocar contra o imposto sindical para difamar a greve e continuar sobrevivendo de recursos do sistema S. Ronaldo Nogueira (PTB), atual ministro do trabalho, também se viu traído pela medida, uma vez que R$582 milhões da contribuição vão para o Ministério do Trabalho. Por fim, o impacto da extinção desse imposto irá inviabilizar diversas entidades sindicais menores e, caso as reformas passem, não se sabe se o efeito disso será ainda mais catastrófico, em um cenário de prevalência do negociado sobre o legislado. Fato é que a greve não teve de forma alguma como principal reivindicação a permanência do imposto sindical, mas sim a permanência de direitos básicos, que estão sendo retirados noite e dia a canetadas por um governo ilegítimo.

 

Alguns outros números relevantes

296 é o número de deputados[20] que votaram a favor da reforma que irá modificar a vida de milhões de trabalhadores. 3 é o número de exonerações que Temer promoveu como retaliação aos deputados que votaram contra[21], pois é assim que um patrão negocia. 153 é o número de emendas redigidas por lobistas patronais que foram aceitas na reforma[22]. 0 é o número de emendas escritas por trabalhadores. Centenas de milhares de reais é o que empresas devedoras doaram às campanhas dos deputados para que eles fizessem uma reforma trabalhista. 2 foi o número de vezes que Rodrigo Maia permitiu que votassem o caráter de urgência dessa reforma, até que conseguissem. 844 foi o número total de emendas apresentadas, que irão mudar a vida dos mais pobres e que foram votadas sem transparência nem diálogo, em menos de uma semana[23]. 21 é o número de trabalhadores que foram resgatados essa semana em Goiás, trabalhando 14 horas por dia, dormindo no chão, sem água, sem energia, com salários atrasados em mais de 2 meses, e pedindo sobras de carne nos açougues e comida para os vizinhos[24]. De cada 10 pessoas resgatadas em trabalho escravo, 9 são terceirizadas[25]. Ao menos 10 pessoas que não eram sindicalistas defendendo uma boquinha, foram gravemente feridas exercendo seu direito de manifestação no RJ. 1 bomba de gás foi jogada no rosto de um estudante, que estava saindo da manifestação[26]. 1 bala de borracha acertou o olho do filho de um Policial Militar, que pode perder a visão[27]. 21 pontos no pescoço levou uma bibliotecária atingida por uma bala de raspão[28]. 178 países assinaram convenção internacional que classifica gás lacrimogêneo como arma química, mas ele pode ser usado em manifestações[29]. Com 14 anos começou a trabalhar o estudante, que estava se dispersando da manifestação, quando foi atingido com um golpe na cabeça por um capitão da PM.

Com certeza, Gustavo Franco nunca teve que passar por agressões da PM exercendo seu direito de se manifestar. Ele, assim como Temer, Rogério Marinho, Henrique Meirelles, Skaf, e todos esses personagens, sabem muito bem o jogo de forças que sempre esteve posto, e que está se acirrando a cada dia, o jogo dos poderosos, que já nascem com suas boquinhas garantidas e sempre querem ganhar mais, contra os trabalhadores, que sempre tem que lutar pela sobrevivência e para não perder direitos. Não podemos admitir é que os trabalhadores caiam em uma retórica, retrógrada até para os padrões de um século atrás, de que não é possível conciliar direitos e vida digna para os trabalhadores com emprego para todos. Uma retórica tortuosa e desonesta que sempre insinua que garantir a dignidade dos mais vulneráveis e tratar o trabalhador como hipossuficiente perante a lei é trata-lo como coitadinho, enquanto permitir que a desigualdade e precariedade assole o país é tratar o trabalhador com dignidade. Nesse contexto, mais alguns números para o debate. Nenhuma classe dominante jamais abriu mão de seus privilégios por vontade própria e nenhum direito trabalhista foi conquistado por abaixo assinado. A sexta-feira que passou foi dedicada a isso. Luta que segue.

[1] https://www.cartacapital.com.br/politica/depois-da-greve-geral

[2] http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/05/consulta-publica-senado-95-por-cento-contestam-%20reforma-trabalhista

[3] https://www.cartacapital.com.br/politica/rejeicao-as-reformas-de-temer-beira-a-unanimidade-aponta-pesquisa

[4] http://brasilemsintese.ibge.gov.br/trabalho/posicao-na-ocupacao.html

[5] https://oglobo.globo.com/economia/reforma-trabalhista-so-comeco-21278054

[6] http://justificando.cartacapital.com.br/2016/06/20/justica-do-trabalho-e-primeiro-alvo-de-falacias-em-tempos-de-crise-economica/

[7] http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2017/01/numero-de-acidentes-de-trabalho-cai-mas-especialistas-veem-subnotificacao.html

[8] https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2015/05/13/em-20-anos-49-mil-trabalhadores-foram-resgatados-de-trabalho-escravo.htm

[9] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-02/devedores-da-previdencia-devem-quase-tres-vezes-o-deficit-do-setor

[10] http://brasildebate.com.br/6-mitos-da-reforma-trabalhista/

[11] http://brasilemsintese.ibge.gov.br/trabalho.html

[12] https://nacoesunidas.org/numero-de-trabalhadores-sindicalizados-no-brasil-atinge-maior-patamar-desde-2004-segundo-ibgeoit/

[13] http://www.capitalteresina.com.br/noticias/brasil/trabalhadores-sao-resgatados-em-condicoes-analogas-a-de-escravos-50696.html

[14] http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista

[15] https://charlesbruxel.jusbrasil.com.br/artigos/453563112/mito-ou-realidade-o-fim-do-imposto-sindical-e-o-verdadeiro-motivo-da-greve-geral?ref=topic_feed

[16] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/206140-CUT-E-MINISTERIO-PUBLICO-DO-TRABALHO-DEFENDEM-FIM-DO-IMPOSTO-SINDICAL.html

[17] http://www.intersindicalcentral.com.br/vitor-hugo-tonin-cara-de-pato/

[18] http://www.valor.com.br/politica/4950364/o-desmonte-parcial-do-corporativismo

[19] https://www.cartacapital.com.br/blogs/cartas-da-esplanada/por-pressao-dos-patroes-temer-pode-vetar-fim-da-contribuicao-sindical-1

[20] https://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/reforma-trabalhista-como-votaram-os-deputados

[21] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1880333-temer-demite-indicados-de-infieis-que-votaram-contra-a-reforma-trabalhista.shtml

[22] https://theintercept.com/2017/04/26/lobistas-de-bancos-industrias-e-transportes-quem-esta-por-tras-das-emendas-da-reforma-trabalhista/

[23] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-04/reforma-trabalhista-recebe-844-emendas-relatorio-deve-ser-apresentado-na

[24]http://www.capitalteresina.com.br/noticias/brasil/trabalhadores-sao-resgatados-em-condicoes-analogas-a-de-escravos-50696.html

[25] http://cartacampinas.com.br/2017/03/terceirizacao-de-cada-10-pessoas-resgatadas-do-trabalho-escravo-9-sao-da-terceirizacao/

[26] http://extra.globo.com/noticias/rio/estudante-passara-por-cirurgia-apos-ser-atingido-por-bomba-de-gas-em-protesto-no-rio-covardia-21280657.html

[27] http://extra.globo.com/noticias/rio/filho-de-pm-pode-ficar-cego-apos-ser-atingido-por-bala-de-borracha-em-manifestacao-21289705.html?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=Extra

[28] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/ferida-por-bala-de-borracha-em-protesto-no-rio-levou-21-pontos-no-pescoco.ghtml

[29] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/05/1880115-por-que-o-gas-lacrimogeneo-e-usado-em-protestos-mas-proibido-na-guerra.shtml

Brasil, Congresso, Economia, Política, Reforma Trabalhista

Um golpe por dia

(Publicado também pela Carta Capital)

Nessa semana mais um golpe contra a população foi dado na Câmara dos Deputados, com a instituição do caráter de urgência para a aprovação da reforma trabalhista (PL 6786/20161), de autoria do Executivo e de relatoria de Rogério Marinho (PSDB). A manobra ocorre um dia após já ter sido tentada pela primeira vez, quando perdeu a votação, graças à atuação ativa e de denúncia dos parlamentares Luiza Erundina (PSOL), Glauber Braga (PSOL) e Alessandro Molon (Rede). No entanto, as manobras tentadas vários dias seguidos já são conhecidas e têm inclusive um apelido, “o estilo Cunha” de governar. Não bastasse a lei de terceirização plena, aprovada a menos de um mês, o projeto de reforma trabalhista que está posto reforça e complementa a terceirização, além de supor retoricamente, um mundo onde existe igualdade de forças e condições entre trabalhadores (que, mesmo nas grandes cidades, ainda são encontrados sem acesso a banheiro, água e nem aos seus salários integrais2) e empresários (que alugam parlamentares por milhões de reais para produzirem leis em seu benefício3).

Um exemplo da condição de “igualdade” em que se encontram trabalhadores e empresários pode ser ilustrada pelo o próprio PL. O relator da matéria, Rogério Marinho, acatando a “pedidos” do agronegócio, incluiu no seu parecer o fim das horas in itinere4, que são horas contadas no contrato quando o trabalho é de difícil acesso ou sem transporte regular. Ou seja, enquanto o trabalhador não tem nem transporte adequado para chegar ao trabalho, o patrão tem condições de pagar o parlamentar para alterar uma lei em seu favor. Esse novo presente dos parlamentares aos patrões traz algumas das seguintes “modernizações”: (i) o negociado acima do legislado, após já haver enfraquecido qualquer poder que a categoria pudesse ter, por meio da fragmentação das terceirizações; (ii) retira a responsabilização das empresas envolvidas em cadeia produtiva, indo na contramão dos demais países, e também retira a responsabilização solidária de empresas que recorrem às terceirizações e quarteirizações, onde vigora a maior parte do trabalho escravo e da precarização; (iii) institucionaliza a pejotização (negando proteção trabalhista onde existe vínculo e exclusividade); (iv) cria o contrato ultraflexível, sem horas definidas de antemão, mas que serão definidas na hora, ao bel prazer do empregador; (v) limita a priori um teto para valor indenizatório em 50 vezes o último salário, não importando se o trabalhador, por exemplo, perdeu a visão, um membro ou morreu em serviço; (vi) o negociado sobre o legislado poderá prevalecer inclusive em questões que não deveriam sequer ser passíveis de negociação, como condições de higiene, segurança, salubridade e intervalos para alimentação e descanso5.

Por óbvio que o PL não incorpora nenhuma das demandas atuais da justiça do trabalho, mas sim, normatiza de bom grado todas aquelas que agradam ao empresariado, como apontado por Jorge Souto Maior no programa Roda Viva do último dia 176. O juiz também deixa claro que o maior problema enfrentado pela justiça do trabalho atualmente, o das empresas que reiteradamente não pagam seus débitos trabalhistas e que apresentam irregularidades sistemáticas, é ignorado. Esses grandes problemas que enfrentamos não são novidade para qualquer um que esteja minimamente a par da situação trabalhista no Brasil, ou que vislumbre a enorme lista suja de empresas envolvidas com trabalho escravo ainda no século XXI7, mas é claro que essa não é uma preocupação do projeto de lei, vez que estamos em um país no qual o presidente da Câmara dos Deputados não se intimida em dizer que “a justiça do trabalho não deveria nem existir”8. Aliás, como parece muito difícil para as empresas pararem de usufruir do trabalho escravo, uma das preocupações frequentes dos parlamentares tem sido justamente alterar a definição do que é trabalho análogo à escravidão9.

Ao contrário do que é alegado, as terceirizações e flexibilizações tendem a produzir precarização do trabalho, diminuição de salários e aumento de horas de trabalhadas, e não possuem relação significativa com o aumento de emprego, de acordo com estudo abrangente feito pela OIT10. Aliás, conforme mencionado também por Jorge Souto, essa retórica já foi utilizada e implementada nos anos 1990, sem efeito na produção de emprego, mas sim com degradação das condições de trabalho e aumento da desigualdade. Sabemos que o argumento do aumento de emprego é o pretexto utilizado por economistas e entusiastas do neoliberalismo. O irônico é que os relatores, ministros, investidores e grandes empresários que serão presenteados financeiramente com tais medidas também têm total consciência das retóricas econômicas que precisam ser ditas, mesmo que elas não tenham aderência nenhuma à realidade. Sabem que elas têm respaldo nas teorias econômicas pró-capitalistas e que serão ecoadas por aqueles que têm tudo a perder com isso, mas que seguem como fiéis debatedores, defensores da fortuna alheia, crendo que estão prezando pela boa gestão do país e resguardando modelos econômicos incontestáveis. Seria risível se não fosse trágico.

Deveria ser ponto pacífico que as leis trabalhistas tiveram que ser criadas justamente porque as partes têm forças desiguais e o trabalho dos empresários é se esforçar para gastar o mínimo possível, auferindo o máximo, não sendo isso uma condição de um empresário malvado, mas apenas um reflexo objetivo do sistema econômico, que visa lucro e não o bem-estar do trabalhador. Se mesmo sob as leis de respeito mínimo ao trabalhador, elas são sistematicamente burladas, devemos esperar que a estima pelo bem-estar espontaneamente brote em um ambiente sem leis? Os objetivos dos nossos políticos, que, por sua vez, refletem o sistema político, são mais complexos do que os objetivos empresariais. Isso porque eles respondem a demandas contraditórias e o resultado de suas ações dependem da força resultante dessas demandas. Se por um lado, eles dependem dos financiadores de campanha e tendem a responder majoritariamente a esses, por outro, eles também precisam de votos para se reeleger, e por mais que o dinheiro para a campanha seja uma variável quase milagrosa, grandes escândalos midiáticos, denúncias e participações em projetos de lei impopulares podem frustrar os investimentos das candidaturas. É por esse motivo que Pedro Otoni identificou, em artigo dessa semana11, que os elos fracos da corrente de maldades do governo, os deputados, já apresentavam discórdia com os mandantes (Temer, Meirelles e demais ministros) e deixam transparecer os sinais de fraqueza e ruptura da coesão golpista. Diferentemente de Temer e Meirelles, que precisam se preocupar apenas com a popularidade que detêm entre banqueiros e empresários, os parlamentares têm algo a perder com a votação das reformas e é nesse sentido que se faz necessário expor um a um os elementos que atuam nos golpes diários da Câmara.

Gostaria de ilustrar com o episódio dessa semana alguns dos motivos das recentes reformas, que não são encontrados em nenhum modelo econômico. Uma pesquisa rápida nas prestações de contas das campanhas de 201412 e nas inscrições de dívidas ativas com a União13 nos dizem muito sobre as motivações de alguns dos personagens envolvidos na votação. Não entrarei no mérito das acusações recentes sobre caixa dois no âmbito da Lava Jato e nem me aprofundarei em rastrear as doações para os partidos e as que são feitas de forma pulverizada, por meio de diversos CNPJ e CPF, mas ligadas a mesma empresa. Me deterei apenas às doações individuaisexplícitas e legalizadas, feitas para as campanhas de 2014. A dívida ativa das empresas com a União representa o total das dívidas, contabilizando FGTS, previdenciárias e não previdenciárias. Seguem abaixo os dados discriminados, com as doações às campanhas e as dívidas com a União, respectivamente.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) – presidente da Câmara

  • JBS – R$100.000 / Dívida ativa com a União: R$122.823.974,35
  • F’na e Ourogestao de Franchising e Negocios (Praiamar) – R$200.000 / Dívida ativa com a União: R$19.794.074,08

Rogério Marinho (PSDB) – relator na câmara do PL 6786

  • Alesat Combustíveis – R$40.000 / Dívida ativa com a União: R$1.224.689,38

*Destaca-se também a doação individual de R$100.000 de Zuleika Borges Torrealba, matriarca do grupo Libra de logística, que já esteve no centro de um favorecimento na licitação de um porto, envolvendo Eduardo Cunha e Michel Temer no ano passado.

Aguinaldo Ribeiro (PP)

  • JBS – R$500.000
  • Itau Unibanco – R$100.000 / Dívida ativa com a União: R$13.237.731,53
  • Galvao Engenharia – R$270.000 / Dívida ativa com a União: R$3.125.042,07

Tereza Cristina Correa da Costa Dias (PSB)

  • JBS – R$103.000
  • Itau Unibanco – R$50.000
  • Energética Santa Helena – R$200.000 / Dívida Ativa com a União: R$39.105.281,35
  • Braskem – R$100.000 / Dívida Ativa com a União: R$734.963,78
  • Cabral Gomes Advogados Associados – R$25.000 / Dívida Ativa com a União: R$18.734.963,78
  • Spal Industria Brasileira de Bebidas – R$70.000 / Dívida Ativa com a União: R$2.041.302,41
  • Cosan Lubrificantes E Especialidades S.A. – R$200.000 / Dívida Ativa com a União: R$237.841,60

Prof. Victório Galli Filho (PSC)

  • JBS – R$30.000
  • Três Irmãos Engenharia – R$85.000 / Dívida ativa com a União: R$5.734.126,51
  • Cervejaria Petrópolis – R$224.300 / Dívida ativa com a União: R$4.888.999,51

Arthur Lira (PP)

  • JBS – R$500.000

Efraim Araújo Filho (DEM)

  • JBS – R$100.000
  • Cosan Lubrificantes e Especialidades – R$50.000

Arnaldo Jordy (PPS)

  • Comitê financeiro único do PSDB – R$290.000

*Destaca-se aqui que o deputado representa um partido a mais na comissão, mas que tende a votar de acordo com o PSDB.

Baleia Rossi (PMDB)

  • JBS – R$150.000
  • Cosan Lubrificantes e Especialidades – R$116.000
  • IREP Sociedade de Ensino – R$100.000 / Dívida ativa com a União: R$711.166,02

Cleber Verde (PRB)

  • W Torre Engenharia – R$40.000 / Dívida ativa com a União: R$65.024.920,07
  • Andrade Gutierrez – R$100.000 / Dívida ativa com a União: R$843.783,45

Ricardo Tripoli (PSDB)

  • Bradesco Vida e Previdência – R$150.000 / Dívida ativa com a União: R$17.034.964,78
  • Cia Agricola Fazenda Rio Pardo – R$100.000 / Dívida ativa com a União: R$1.034.780,98
  • Di Genio e Patti Curso Objetivo – R$300.000 / Dívida ativa com a União: R$235.625,56

Aelton José de Freitas (PR)

  • JBS – R$700.000
  • Bradesco Vida e Previdência – R$200.000
  • Andrade e Gutierrez – R$300.000
  • Angra System & Service – R$170.000 / Dívida ativa com a União: R$2.854.367,23
  • Gráfica 3 Pinti – R$80.000 / Dívida ativa com a União: R$2.651.949,22
  • Tamasa Engenharia – R$30.000 / Dívida ativa com a União: R$1.016.041,08

Junior Marreca (PEN)

  • Distribuidora Filgueira de bebidas – R$108.000 / Dívida ativa com a União: R$886.234,76

Marcos Montes (PSD)

  • Cosan Lubrificantes – R$150.000
  • BRF – R$200.000 / Dívida ativa com a União: R$135.440.350,23
  • Minerações Brasileiras Reunidas – R$500.000 / Dívida ativa com a União: R$20.859.920,10
  • Cenibra – R$20.000 / Dívida ativa com a União: R$13.772.136,49
  • Usina Santo Angelo – R$60.000 / Dívida ativa com a União: R$6.446.737,58
  • Usina Cerradão – R$30.000 / Dívida ativa com a União: R$284.618,26

Os números explicitam empresas reiteradamente inadimplentes com seus débitos trabalhistas, que se acumulam aos milhares, milhões e até bilhões, mas que curiosamente dispõem de dinheiro para investir em apoio a candidatos. Algumas estão inclusive em processo de falência, mas mesmo assim têm dinheiro para as doações. É claro que os interesses vão muito além da reforma trabalhista. Diversos projetos estão na ordem do dia, sendo aprovados a toque de caixa, para extorquir direitos históricos conquistados, como saúde e educação públicas, direitos trabalhistas e direito à aposentadoria, para favorecer planos de saúde e previdência privados, institutos de educação privados, e fundos de investimentos em educação, por exemplo. Onde enxergamos direitos, os empresários e seus parlamentares enxergam apenas uma enorme oportunidade para aumento de lucros. O agora ministro, Henrique Meirelles, intercala sua vida entre setor privado e público, mas sempre movimentando o dinheiro em um sentido único, do público para o privado, e afirma hoje com firmeza que a previdência está quebrada e a reforma proposta se faz necessária. Curioso é que o mesmo Henrique Meirelles presidia, há pouco mais de um ano, a controladora da JBS, que acumulava déficits milionários com o fisco e com os trabalhadores, ao mesmo tempo em que tinha dinheiro para ser destinado a praticamente todos os parlamentares.

Rogério Marinho, relator do projeto que finaliza o desmonte da CLT, aproveitou a liberdade do ambiente convidativo que usufruía no Roda Viva para atacar a única voz dissonante do programa, o juiz Jorge Souto, e fazer a sua interpretação exótica do Mito da Caverna de Platão. Disse o deputado que os defensores da CLT se assemelhavam às pessoas dentro da caverna que precisavam enxergar o mundo real, no qual as relações trabalhistas estão modificadas. Pois a mim parece que podemos entrar e sair da caverna, década após década, século após século e iremos encontrar invariavelmente os mesmos personagens de uma classe abastada, utilizando das mesmas falácias e pretextos, do dinheiro e poder, lícito ou ilícito, para acumular para si o máximo possível. Para essa classe não importam coisas menores como dignidade do trabalhador, desigualdade, sobrevivência dos povos tradicionais e meio ambiente. Passam os anos e a desfaçatez e ganância permanecem inalteradas.

¹ PL 6786/2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076

² FISCAIS flagram haitianos em trabalho precário… Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/12/1839013-fiscais-flagram-haitianos-em-trabalho-precario-no-hospital-das-clinicas-de-sp.shtml 

3  O PORTO inseguro. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/912/o-porto-inseguro

4 RELATOR ACATA pedidos do agronegócio… Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4935832/relator-acata-pedidos-do-agronegocio

5 CONHEÇA direitos que você vai perder… Blog do Sakamoto. Disponível em: https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/04/15/conheca-direitos-que-voce-vai-perder-com-a-reforma-trabalhista/

6 RODA VIVA recebe o deputado federal Rogério Marinho (PSDB). 17 de Abril de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eSE9wTnDJjA

7 LISTA suja do trabalho escravo. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/listasuja/resultado.php

8 JUSTIÇA do trabalho não deveria nem existir. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/03/1864822-justica-do-trabalho-nao-deveria-nem-existir-diz-deputado-rodrigo-maia.shtml

9 ENTENDA o projeto de Lei que pretende mudar a definição de trabalho escravo no Brasil e nos ajude a lutar contra o retrocesso. Disponível em: https://www.clinicatrabalhoescravo.com/single-post/2016/05/01/Entenda-o-projeto-de-Lei-que-pretende-mudar-a-defini%C3%A7%C3%A3o-de-trabalho-escravo-no-Brasil-e-nos-ajude-a-lutar-contra-o-retrocesso

10 EYCK, Kim Van. Flexibilizing employment: an overview. International Labour Organization, Geneva, 2003. Disponível em: http://www.oit.org/wcmsp5/groups/public/—ed_emp/—emp_ent/—ifp_seed/documents/publication/wcms_117689.pdf

11 OTONI, Pedro. Seis elementos da conjuntura brasileira. Outras Palavras, 18 de abril de 2017. Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/seis-elementos-da-conjuntura-brasileira/.

12 PRESTAÇÃO de contas eleitorais. Disponível em: http://inter01.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2014/abrirTelaReceitasCandidato.action

13 LISTA de devedores ativos da União. Disponível em: https://www2.pgfn.fazenda.gov.br/ecac/contribuinte/devedores/listaDevedores.jsf.