Sem categoria

Licenciamento ambiental: reducionismo para a acumulação

Artigo publicado por MMT Brasil em 24/05/2021

O Brasil está em vias de extinguir o licenciamento ambiental, pelo esvaziamento completo do próprio conceito e de sua aplicação, com o PL 3729/2004, já aprovado pela Câmara dos Deputados[i]. Essa nova e gigantesca porteira foi aberta para a boiada passar na calada da noite, quando todas as atenções estavam voltadas, triste e ironicamente, à CPI da pandemia. O projeto aprovado vira do avesso a ideia inicial dessa lei, proposta há dezessete anos[ii], e de uma hora para outra, sem nem ao menos disponibilizar o texto a entidades da sociedade civil, descaracteriza completamente o debate acumulado e até as articulações políticas feitas durante esses anos.

Especialistas da área ambiental afirmam inequivocamente que a aprovação da lei resultará na proliferação de crimes e ecocídios, como os de Mariana e Brumadinho, além da expansão do desmatamento, da contaminação de águas e solos, do aumento do lixo urbano não tratado, da perda de biodiversidade e da maior marginalização de povos tradicionais e populações locais nos processos decisórios, disponibilizando suas terras à valorização de capital[iii]. Para citar apenas alguns pontos, a lei prevê treze dispensas de licenciamento para atividades sabidamente impactantes; institui como regra a licença autodeclaratória, que é uma antítese em si mesma; e deixa quase todas as definições complementares e a possibilidade de dispensas adicionais a cargo de estados e municípios, favorecendo uma guerra entre os entes em busca da menor regulação ambiental.   

Não é surpreendente que o projeto seja feito para atender aos interesses gerais do grande capital, e sob medida, para setores de alto impacto socioambiental, voltados à exportação de produtos primários. Essa sempre foi uma prioridade do atual governo, que já alicerçava sua campanha caricaturalmente em reservas de Nióbio e nas promessas de abrir novos territórios para a acumulação primitiva. Em agosto do ano passado, já no meio da pandemia, Paulo Guedes publicou resolução, ratificada por Bolsonaro, em que defendia uma Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental para a Produção de Minerais Estratégicos, contando com um modelo de licenciamento simplificado em anexo. Tal política já havia instituído um comitê permanente, coordenado pelo próprio Ministério de Minas e Energia, e com a participação de representantes diretos da Presidência e do Ministério da Economia, para apoiar a liberação de empreendimentos privados. Não há nesse comitê nenhuma vaga nem mesmo para o combalido Ministério do Meio Ambiente[iv]. Ainda, em setembro, foi lançado pelo governo federal o Programa Mineração e Desenvolvimento, que é vago em sua versão pública, mas corresponde a objetivos bastante concretos, ditados pelas entidades do setor, como a abertura de pelo menos oito terras indígenas para a mineração[v].

Como já foi comentado na coluna anterior[vi], a fixação do governo com a mineração tem suas razões geopolíticas. Para além da simples continuidade da nossa condição de periferia exportadora de commodities, a intensificação dessa mesma condição está dada justamente pela busca dos países centrais em evitar uma catástrofe climática por emissão de gases de efeito estufa. A alardeada transição energética passa inevitavelmente por um aumento brutal da exploração mineral, reforçando as múltiplas desigualdades centro-periferia. O estudo analítico mais minucioso nesse sentido, elaborado pela International Energy Agency (IEA), ressalta que, de acordo com os dados atuais, há uma iminente incompatibilidade entre as ambições climáticas globais e a disponibilidade de minerais críticos[vii].   

Ao mesmo tempo em que se verifica tamanha complexidade nos desafios ambientais globais e inter-relacionados, e que se almeja maior complexidade para a nossa economia, o neoliberalismo quer uma genérica simplificação. Intensifica a desindustrialização e a reprimarização, pela impossibilidade do investimento estatal, e busca a todo momento desregulamentar e retirar direitos, sob o argumento de que a diminuição de burocracia é que estimula os investimentos. A teoria econômica hegemônica legitima esse discurso, uma vez que restringe a possibilidade de gasto público, bem como caracteriza a regulamentação como mero custo aos entes privados, que provocaria rigidez de preços e dificuldade de entrada de novos ofertantes, impedindo ou retardando o suposto equilíbrio entre oferta e demanda.

Mesmo em versões liberais mais moderadas, que fazem concessões ao papel indutor do Estado e à regulamentação das chamadas externalidades, essas características ficam sempre na berlinda, sujeitas ao ambiente político e macroeconômico, e também, na periferia, à maior ou menor pressão conjuntural do centro do capitalismo. Ainda, a escola da Economia Ambiental, que segue pressupostos neoclássicos, propõe como solução para a degradação do ambiente não a forte regulação e planejamento, mas a internalização de externalidades. Ou seja, a precificação ambiental e a tentativa de abarcar a natureza em novos mercados e em financeirização, seguindo a falácia neoliberal de que as falhas do capitalismo, não só na economia, como também no meio ambiente, ocorreriam justamente por brechas deixadas à vida fora do mercado.

A justificativa de Paulo Guedes para o incentivo à “mineração estratégica” é a de habilitar investimentos em minérios que o país importa; ou aqueles que são necessários à produção de alta tecnologia; ou ainda, aqueles essenciais por promoverem superávit da balança comercial. A baixa importação relativa, mostrada pelo anuário mineral de 2019[viii], invalida o primeiro argumento, ainda mais tendo em vista que grande parte das importações na área se dá justamente pela falta de capacidade mínima até para beneficiar o minério bruto. A pouca ou nenhuma preocupação com pesquisa, investimento e setores de alta tecnologia contradiz também a segunda justificativa. O real motivo segue sendo o simples extrativismo de patrimônio nacional para a exportação, principalmente quando o mundo inicia a corrida por minerais críticos. A busca perene por superávit da balança comercial é a chancela teórica que a ortodoxia confere a uma espoliação que dura séculos, de forma tanto agressiva quanto monotônica, como descrito por Aráoz, em Mineração, Genealogia do Desastre[ix].  

Ao passo que é real a necessidade de uma mediação tática, alicerçada na exportação primária para o acúmulo de divisas, até superarmos a dependência, tal superação só virá pelo planejamento e pela utilização da nossa soberania monetária para o investimento público. Infelizmente, até aqui, não só no Brasil como na América Latina, os governos dos variados espectros políticos apenas seguiram, com variações de intensidade e forma, a exploração de recursos finitos, sem pensar estrategicamente tanto a superação da dependência tecnológica, quanto da dependência da destruição ambiental em si. Não só o extrativismo foi impulsionado nos últimos anos, como o potencial hídrico se deslocou do atendimento das necessidades da população para o lucro de grandes grupos econômicos, haja vista o crescimento recente de mineradoras e siderúrgicas proprietárias de hidroelétricas, com lucro garantido pelo Estado em todas as pontas[x].

Nessa configuração, as empresas conseguem diminuir o custo da energia para o seu ramo primário de negócios, além de lucrarem com o fornecimento de energia a preços elevadíssimos para a população que mora ao lado das hidroelétricas. Afora isso, essas grandes plantas hidroenergéticas, distantes da ideia imaculada pela baixa emissão de gases de efeito estufa, estão entre os empreendimentos que mais causam conflitos e impactos socioambientais[xi]. Ainda, o aumento das fontes energéticas renováveis vem servindo de base para o lobby do setor carbonífero conseguir a expansão da produção, sob a justificativa de que fontes renováveis são intermitentes e necessitariam de apoio de uma fonte perene[xii]. Tal fato corrobora a observação histórica de que as denominadas transições energéticas funcionaram na verdade como adições energéticas.

Portanto, um projeto de desenvolvimento real deve considerar não apenas de forma abrangente e macroeconômica a superação da dependência tecnológica e a transição energética, mas trilhar um caminho justo e popular para isso, atentando para a relação de dependência ambiental centro-periferia, e para as inter-relações e impactos socioambientais inerentes a todos os processos econômicos. É premente que economistas comprometidos com tal projeto passem a debater questões socioambientais de forma tão detalhada e atualizada quanto o fazem, por exemplo, com relação à industrialização, e que possam acumular consensos e divergirem tanto quanto fazem ao discutir juro, câmbio, inflação e temas afins.

A Ecologia já apresenta sua própria complexidade, com não-linearidades, pontos de não retorno, equilíbrios dinâmicos, complementariedades entre cooperação, competição, predação, parasitismo e simbiose, bem como características ecossistêmicas ainda totalmente desconhecidas. A ação antrópica sob o capitalismo é tão rápida e intensa que os processos ecológicos se modificam sem ao menos termos tempo de entende-los e, para além disso, sistemas onde há a presença humana, são permeados por intencionalidade, moral e cultura, resultando em complexidades emergentes. Disso decorre que a tentativa neoliberal de desregular e criar mercados ambientais esteja baseada em ingenuidade e pretensão ou, mais comumente, em interesse. A vida em sociedade é complexa e diversa, como é desejável que os ecossistemas sejam, e sistemas complexos não podem, por definição, ser reduzidos a uma perspectiva única, como por exemplo, a monetária. Mais do que nunca, em meio às múltiplas crises que vivemos, é necessário rejeitar o simplismo oportunista e a pobreza existencial da acumulação, e reivindicar a adoção epistemológica e militante da complexidade.

REFERÊNCIAS

ARAÓZ, Horacio Machado. Mineração, Genealogia do Desastre: o extrativismo na América Latina como origem da modernidade. São Paulo: Elefante. 2020.    

CASTILHO, Denis. Hidrelétricas na Amazônia Brasileira: da Expansão à Espoliação. V Simposio Internacional de la Historia de la Electrificación: La electricidad y la transformación de la vida urbana y social. Évora, 6 a 11 de maio, 2019.  

O’CONNOR, M.; FAUCHEUX, S.; FROGER, G.; MUNDA, G. Emergent complexity and procedural rationality: post-normal science for sustainability. Em: COSTANZA R.; SEGURA, O. (Eds.), Getting Down to Earth. Washington, DC: Island Press, 1996, pp. 223–248.


[i] https://www.extraclasse.org.br/ambiente/2021/05/para-ambientalistas-o-texto-aprovado-extingue-o-licenciamento-ambiental/

[ii] https://deolhonosruralistas.com.br/2019/02/05/como-ruralistas-transformaram-o-projeto-de-licenciamento-ambiental-em-ataque-a-fiscalizacao/

[iii] https://www.extraclasse.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Nota-Licenciamento-Ambiental-Versao-final.pdf

[iv] http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/601633-guedes-quer-facilitar-licenciamento-ambiental-de-projetos-de-mineracao

[v] https://observatoriodamineracao.com.br/metas-do-governo-federal-para-a-mineracao-foram-ditadas-pelo-mercado-revelam-documentos/

[vi] https://mmtbrasil.com/mmt-e-economia-ecologica-introduzindo-o-debate/

[vii] https://www.iea.org/reports/the-role-of-critical-minerals-in-clean-energy-transitions

[viii] https://www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mineral/anuario-mineral/anuario-mineral-brasileiro/amb_2020_ano_base_2019_revisada2_28_09.pdf

[ix] ARAÓZ (2020)

[x] CASTILHO (2019)

[xi] https://www.youtube.com/watch?v=ghIL7ExjaxQ

[xii] https://www.canalenergia.com.br/noticias/53097491/energia-do-futuro-e-renovavel-mas-termicas-seguirao-necessarias

Sem categoria

MMT e Economia Ecológica: introduzindo o debate

Artigo publicado por MMT Brasil em 30/04/2021

Isabela Prado Callegari

Os noticiários internacionais das últimas semanas estiveram voltados à movimentação dos diversos países e seus representantes na preparação para Cúpula do Clima, ocorrida dias atrás. Dois países centrais nesse evento, sob os quais havia muita expectativa, eram Estados Unidos e Brasil, o primeiro pelo afastamento explícito da administração Trump nessa matéria, e o segundo, pelo aprofundamento do desmatamento em níveis alarmantes e pela centralidade da Amazônia na esperança global de manter o aquecimento dentro de níveis seguros para a humanidade. Por sua vez, a Teoria da Moeda Moderna (MMT) figura como central em ambos os casos. No primeiro, porque parece haver uma ruptura com a economia mainstream no novo governo estadunidense, que alicerça seu plano de recuperação e descarbonização, o Green New Deal (GND), precisamente nas bases da MMT. No Brasil, porque a negação das nossas possibilidades de Estado monetariamente soberano e os projetos de austeridade são legitimados na retórica diária dos economistas da grande mídia e do governo e continuam fazendo terra arrasada, inclusive nas políticas de preservação e fiscalização ambiental.  

Aqui, a ideologia da falta de dinheiro público faz com que todas as iniciativas voltadas às questões ambientais passem pela promoção de velhas e fracassadas soluções de mercado, com parcerias público-privadas, criação de mercados de carbono e pagamento por serviços ambientais. Tais soluções são rechaçadas por movimentos sociais, diversos pesquisadores e populações locais, por intensificarem os problemas, ao passo que desrespeitam a autodeterminação e o modo de vida dos territórios e povos tradicionais, fornecem licença para o grande capital continuar poluindo por meio da ideia de compensação ambiental, e criam novas esferas de acumulação e especulação, pela consolidação da natureza como um ativo financeiro[i]. A abertura ao capital privado foi a tônica da carta de Bolsonaro a Biden, que foca nas iniciativas do governo brasileiro “Adote um Parque”, “Floresta +” e em milhões de hectares destinados à “agricultura regenerativa”, em linha também com a recente Lei nº 14.119 aprovada neste ano, que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais[ii].    

Por sua vez, a pressão interna nos Estados Unidos para promover ações na Amazônia, utilizando seu poder como país central para impulsionar as referidas soluções de mercado, também é grande[iii]. Ou seja, a ideologia que nos nega nossa soberania monetária e capacidade de gasto público se coaduna com interesses da burguesia local e internacional, reforçando nossa condição de país periférico e a da natureza como um mero ativo ou recurso. Por outro lado, no plano interno, as ações tomadas pelo governo Biden, calcadas na abordagem da MMT, vêm chamando atenção não só pelo montante inédito de recursos destinados à reconstrução da economia, como também pela ruptura com a esperança nas soluções de mercado para as mudanças climáticas. Mastini et al (2021) avaliam que o GND apresentado em 2019 ao congresso norte-americano (House Resolution 109) se radicalizou bastante com relação às ideias iniciais de um GND, ensejadas já nos anos 1990, denominando a proposta atual de GND 2.0.

Mas se o GND busca aliar de forma prática uma abordagem macroeconômica inovadora com soluções para a crise ambiental, nos importa saber o que a vertente da Economia Ecológica, que já se dedicava a estudar macroeconomia e meio ambiente, vinha elaborando até aqui e quais são os pontos de aproximação e de divergência. De pronto, há algo que une os pesquisadores da MMT e aqueles da Economia Ecológica. Ambos se empenham todos os dias em mostrar que a Ciência Econômica está errada com relação a limites. Enquanto os primeiros evidenciam que o limite à expansão de gastos de um governo monetariamente soberano está na capacidade real da economia e não nas finanças públicas, os segundos atentam para o fato, óbvio e ao mesmo tempo amplamente ignorado, de que os limites à expansão da economia real devem estar subjugados à capacidade do planeta em que vivemos.

Note-se que apesar de buscar formas de compatibilizar nossa existência com os limites biogeofísicos do planeta, a Economia Ecológica não trata de maneira central o problema do antropocentrismo. Ou seja, é uma matéria voltada fundamentalmente a repensar o metabolismo econômico, visando a própria sobrevivência da espécie humana, e que aborda apenas de maneira lateral a questão também premente da nossa relação com os outros seres vivos e o respeito à sua existência, numa dimensão ética, para além do utilitarismo. Mesmo assim, ela é a linha de pensamento dentro da Economia voltada a pensar Ecologia de forma relativamente radical, ao contrário da Economia Ambiental, que aceita pressupostos ortodoxos e propõe soluções ambientais baseadas na criação de mercados.

Assim, economistas da MMT e da Economia Ecológica, cada qual com o seu foco, apontam fatos concretos ignorados pela teoria ortodoxa, seja por desonestidade interessada ou desinformação, e que fazem com que as análises e recomendações econômicas estejam descoladas da realidade, aprofundando nossas múltiplas crises. O único retorno que observam da ortodoxia econômica se assemelha àquele descrito na música Sonhos, de Chico Buarque, na qual pálidos economistas pedem calma. De um lado, nos pedem calma, porque as reformas liberalizantes não teriam sido suficientes e por isso, o desemprego dispara e a população padece, e de outro, porque as soluções tecnológicas e mercadológicas ainda não teriam tido tempo e abrangência suficientes para nos salvarem da nossa própria destruição planetária. A MMT e a Economia Ecológica entendem, respectivamente, que tais respostas são falaciosas e que é o próprio cerne da teoria ortodoxa que está equivocado. Portanto, aliar o conhecimento trazido pela MMT sobre a natureza do dinheiro moderno e o aparato das Finanças Funcionais, com o estudo acerca das reais implicações ecológicas dos processos econômicos, parece imprescindível para o nosso momento histórico.

Uma aproximação inicial entre as duas abordagens pode se dar analisando conjuntamente duas grandes derivações normativas e de recomendações práticas relacionadas a elas, que soariam contraditórias à primeira vista. Respectivamente, o Green New Deal, que entende que o crescimento pode e deve ser aliado do processo de transição energética, e o Decrescimento, que entende que o crescimento econômico não pode ser um fim em si mesmo e que não é fisicamente possível atingir os níveis necessários de redução de emissões com a manutenção das taxas atuais de crescimento. No entanto, a conciliação entre as duas visões é plenamente factível e desejável.

Primeiro, porque da mesma forma que a MMT é interpretada erroneamente como uma recomendação genérica à expansão desenfreada do gasto público, há que se dizer que o Decrescimento também é tomado de forma equivocada como um culto acrítico à redução do PIB. Na verdade, alguns inclusive reconhecem que essa pode ter sido uma péssima escolha de palavra para os seus propósitos[iv], mas Decrescimento é uma expressão guarda-chuva referente a uma série de movimentos sociais, iniciativas e também de pesquisadores alinhados com a Economia Ecológica, que defendem uma saída da armadilha do crescimento, com justiça social e sem prejuízo à qualidade de vida da população. Ou seja, atentam para as evidências de que a busca pelo crescimento econômico de forma genérica é totalmente ineficiente em trazer bem-estar e bastante exitosa em gerar danos ambientais evitáveis em larga escala. Assim, os danos ambientais poderiam ser evitados ou minorados pela busca de objetivos sociais específicos, para os quais o crescimento ou encolhimento do PIB seria uma consequência. Tal concepção se assemelha bastante à teoria das Finanças Funcionais, para a qual o déficit ou superávit deveria ser um mero resultado contábil do gasto público socialmente orientado.

No entanto, a complexidade adicionada pela Economia Ecológica está na dimensão de três variáveis-chave: a da magnitude e inter-relação dos desafios ecológicos, e a do tempo disponível para superá-los. Tais variáveis normalmente passam longe do pensamento econômico tradicional e, por diversas vezes, distante também da militância dos que buscam justiça social e tratam a questão ambiental como problema futuro. Durante a Cúpula do Clima, Estados Unidos, Canadá, Japão e União Europeia se comprometeram em reduzir as emissões pela metade até 2030, o que, pela primeira vez, corresponde às recomendações científicas para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC, evitando a inundação de litorais e desaparecimento de cidades e até países[v]. No entanto, não há evidência nenhuma de que isso possa ser feito, dadas as tecnologias atuais, com crescimento continuado do PIB. Os estudos, mesmo supondo cenários muito otimistas de desenvolvimento tecnológico, apontam no sentido oposto, de que seria extremamente tarde para atingir esse objetivo, mesmo com altos investimentos em transição energética. Ou seja, o decréscimo do PIB não é um objetivo do Decrescimento, mas a inevitabilidade física de que alguns países decresçam para atingir metas ambientais é apresentada nessa abordagem. Assim como também é amplamente apontado o fato de que países ricos poderiam ter crescimento nulo ou negativo, de forma planejada, com aumento do bem-estar populacional.   

Além disso, a adoção de energias renováveis deve ser avaliada em todas as suas contradições, dado que tais fontes provêm um retorno energético muito menor do que as de combustíveis fósseis, bem como, historicamente as transições energéticas podem ser descritas mais como ‘adições energéticas’, visto que a emergência de uma nova fonte costuma ter pouco impacto no uso de fontes anteriores. Ainda, nossos problemas não se resumem às mudanças climáticas e são integrados entre si, de modo que, em média, 1 kWh produzido por energias renováveis requer 10 vezes mais metais do que quando produzido por energia fóssil. Isso, por sua vez, pressiona a mineração, que atinge diretamente os países periféricos, com enormes impactos ambientais e sociais. Por exemplo, com um crescimento anual de 10%, as reservas de lítio estariam esgotadas em 50 anos[vi]. Afora o fato de que tais reservas estratégicas estão no centro das ambições de bilionários, como Elon Musk, que recentemente comentou publicamente e sem constrangimentos que ‘eles dariam golpe em quem quisessem’, ao se referir à Bolívia[vii].

Essa breve análise, que versa apenas sobre o aspecto energético do processo econômico, sem mencionar a questão também urgente da soberania alimentar e da indústria agropecuária, evidencia o tamanho dos nossos problemas. Para além da centralidade dos investimentos públicos, da redistribuição da riqueza e da democratização da produção, uma discussão sobre padrões de consumo e a prefiguração de novos estilos de vida será inevitável e imprescindível. A boa notícia é que a Economia Ecológica tem o acúmulo necessário a esse debate e que a MMT apresenta os instrumentos macroeconômicos adequados para atingir objetivos socialmente delimitados. O provimento de serviços públicos gratuitos e universais, o programa de garantia de empregos, investimentos públicos estratégicos e a nacionalização do setor energético são todas pré-condições para a superação dos nossos desafios concretos. É na intersecção dos conhecimentos acerca do dinheiro, da economia política, e do metabolismo econômico sujeito aos limites reais à nossa existência, que poderemos disputar a construção de um futuro possível, aquele que será ambientalmente harmônico e socialmente justo, ou não será.   

REFERÊNCIAS

COLETIVO Brasileiro de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? Em: FERNANDES, L & BARCA, S. (orgs). E-Cadernos CES, nº 17, 2012.

DREWS, S & ANTAL, M. Degrowth: a “missile word” that backfires? Ecological Economics, v. 126, 2016.

MASTINI, R.; KALLIS, G.; HICKEL, J. A Green New Deal without growth? Ecological Economics, v. 179, 2021.


[i] Coletivo (2012)

[ii] https://www.cartadebelem.org.br/desmatar-para-entregar-o-mercado-financeiro-aterrissa-na-amazonia-em-nome-do-clima/

[iii] https://climateprincipals.org/amazon-plan/

[iv] Drews & Antal (2016)

[v] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/paises-iniciam-corrida-para-descarbonizacao-apos-cupula-do-clima.shtml

[vi] Todos os dados são de Mastini et al (2021)

[vii] https://www.brasildefato.com.br/2020/07/25/vamos-dar-golpe-em-quem-quisermos-elon-musk-dono-da-tesla-sobre-a-bolivia

Sem categoria

Miséria S.A.: o que está por trás do PL que pretende capitalizar o Bolsa Família?

Artigo publicado no portal Outras Palavras em 29/04/2021

Isabela Prado Callegari*

Queren H. B. Rodrigues*

Algo passou relativamente desapercebido na repercussão daquela que ficou conhecida como a “carta dos 500” ou o “manifesto dos banqueiros”[i]: as três linhas de defesa explícita do chamado Programa de Responsabilidade Social, que busca extinguir Abono Salarial, Salário Família e Seguro Defeso (para pescadores), com a justificativa de que eles seriam incorporados ao Benefício de Renda Mínima, programa que seria, por sua vez, uma reformulação do Bolsa Família, e que impõe uma poupança forçada aos seus beneficiários.  

A ideia está estruturada no PL 5343/20[ii], que, caso aprovado, necessitará de outra mudança constitucional (algo que já vem se tornando recorrente) visando a extinção dos benefícios atualmente existentes. O PL, apresentado por Tasso Jereissati (PSDB) em dezembro do ano passado, corre em tramitação no Senado sem alarde e foi elaborado por mais um think tank autodenominado independente e apartidário[iii], o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP)[iv], cujos diretores e conselheiros são todos reconhecidos membros do mercado financeiro.

Um dos autores do projeto é Marcos Mendes, idealizador e defensor cotidiano do Teto de Gastos (EC 95)[v], que vem se empenhando em sustentar no debate público o argumento falso de que o Teto não retirou recursos da saúde[vi]. O alvo do PL 5343 são as mesmas pessoas afetadas pela nefasta reforma da Previdência: os que ganham até dois salários mínimos, que têm uma mínima proteção garantida pelo mercado de trabalho formal, e que seriam supostamente privilegiados na estrutura de renda e emprego brasileira. Alega-se que retirar benefícios destes e direcionar, por meio de programas assistenciais, para os que estão abaixo, reduziria a desigualdade por “aumento de eficiência”[vii].

Esse tipo de construção neoliberal é o que Virginia Fontes chama de Pobretologia[viii], muito incentivada, inclusive, pelo Banco Mundial. Para que fique de fora do debate a luta de classes, o questionamento acerca da existência de bilionários e a produção cotidiana das desigualdades, falemos de metas, eficiência e gestão da pobreza. Ninguém há de notar que os mesmos que defendem a concentração de capitais, a garantia das taxas de lucro, a perda de direitos e a pauperização generalizada, são os que estão propondo manejar quem sobe ou quem desce em linhas quantitativas de miséria.

Modelos econométricos são muito úteis ao objetivo de envernizar projetos políticos com aritmética e apresenta-los como simples melhorias de gestão, livres de valores ideológicos e interesses de classe. Enquanto o estudo do CDPP alardeia uma redução de desigualdade que seria conseguida apenas remanejando recursos, e as manchetes jornalísticas anunciam que o projeto traz metas de redução de pobreza, o que não se diz é que o projeto traz  em si uma nova PEC emergencial (EC 109), que ele limita os gastos efetivos do Benefício de Renda Mínima ao orçamento disponível a cada ano, e que parte do benefício que hoje é transferido diretamente às famílias seria direcionado a uma poupança forçada, que ficaria com os bancos.

O primeiro ponto é que, a pretexto de reduzir a pobreza, o PL carrega em si a possibilidade de ativação dos chamados “gatilhos fiscais”, explicitando que, enquanto não forem atingidas as tais metas de redução da pobreza, o governo é obrigado a congelar uma série de gastos, incluindo salários. Por óbvio, o projeto não diz que tais medidas de austeridade já vêm impedindo a consecução de direitos fundamentais e a prestação de serviços à população. O congelamento de gastos representa o objetivo real de todas essas amarrações fiscais, de forma que a ânsia em finalizar o que a Lei do Teto começou e possibilitar a ativação dos “gatilhos” era tanta, que já conseguiram garantir que ocorresse por meio dos da EC Emergencial, aprovada recentemente. No entanto, de acordo com o projeto em questão, grande parte dos congelamentos que a EC 109 impõe vão valer também caso as “metas de redução de pobreza” não forem atingidas. Ou seja, é uma nova EC emergencial condicionada às regras do novo Bolsa Família.

Além de adicionar possibilidades de congelamento de outros gastos, a tendência é que os próprios benefícios do programa sejam inferiores ao que o projeto declara. Isso porque o PL torna legítimo algo que já vem acontecendo à margem da lei, de forma perversa, desde a aprovação do Teto de Gastos: a negação de benefícios e a formação de uma fila de milhões à sua espera[ix], para cumprir uma limitação fiscal autoimposta e absurda[x]. Se atualmente os benefícios do Bolsa Família e da Previdência vêm sendo atrasados em prol da iníqua manutenção das regras fiscais, com esse projeto o Poder Executivo poderá, unilateralmente, decidir o valor do benefício, a cada ano, de acordo com o que o Teto de Gastos permitir. Diz o Art. 3º do Projeto de Lei[xi]:

§ 5º Para compatibilizar a quantidade e o valor dos benefícios de que trata este artigo com a dotação orçamentária anual, estabelecida nos termos do § 2º do art. 14, é facultado ao Poder Executivo alterar, para cada exercício:

I – o valor de referência per capita de que trata o inciso I do caput;

II – os descontos percentuais de que tratam as alíneas a e b do inciso II do caput.

Ou seja, nem a referida maquiagem de indicadores de desigualdade está garantida, pois os benefícios estarão condicionados às regras fiscais, impostas à sociedade pelos mesmos que defendem esse novo desmonte de políticas públicas. Assim, se aprovado o projeto, não é necessário grande exercício de futurologia para adivinhar o que acontecerá. As tais metas de diminuição de pobreza não serão atingidas, devido a limitação de benefícios dada pelo Teto e pelo próprio projeto, e o governo, na prestação de contas que o PL estabelece, dirá que o gasto público em outras áreas está impedindo a consecução das tais metas. Assim, mais uma vez se estabelece a falsa dicotomia entre parcelas do orçamento público, tal como foi feito para a aprovação do auxílio emergencial. A chantagem permanente é de fato uma das grandes funções da austeridade.

O PL segue, lamentando que tenhamos tantos “compatriotas padecendo na pobreza extrema”, mas ressalta que infelizmente não podemos resolver isso simplesmente gastando:

“…a fragilidade fiscal do País é inegável e limita substancialmente a potência dos instrumentos de que dispõe o Estado brasileiro para alterar a baixa dinâmica econômica, de um lado, e aportar recursos em programas já existentes e outros necessários à mitigação da pobreza no Brasil” (PL 5343/20, p. 23).[xii]

Não há termos eufemísticos para responder a isso: é simplesmente mentira dizer que não há dinheiro para atender as demandas populares. O dinheiro moderno não tem lastro real e a emissão de moeda só gera inflação se há incapacidade produtiva, o que, por sua vez, também depende fundamentalmente de planejamento governamental, políticas de abastecimento interno, industrialização e investimento público. Assim, a pandemia vem desnudando as falácias do argumento que sugere que a própria democracia seria inflacionária[xiii] e, portanto, impossível de ser efetivada. Bem como, o momento presente vem mostrando que negar dinheiro ao atendimento de direitos é nada mais que uma opção política[xiv].

No Brasil, esse tipo de trato com o orçamento, que impõe de forma autocrática limitações financeiras gerais e coloca a população em disputa pela efetivação de direitos, foi inicialmente ensaiado com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a Regra de Ouro (art. 167, III da CF), e vem sofrendo uma escalada íngreme e abrupta desde a Lei do Teto, que impulsionou a Reforma da Previdência, e finalmente, com a EC Emergencial, que endureceu ainda mais a limitação de longo prazo. Agora, o projeto em questão se alicerça nas mudanças constitucionais já aprovadas para exercer mais chantagem orçamentária frente à fome e a miséria.

O PL se coloca abertamente ao lado do terrorismo fiscal, que embora não tenha base nenhuma na realidade, é uma posição ideológica hegemônica na grande mídia e no discurso da ortodoxia econômica, ameaçando cotidianamente a população com o argumento perverso e ao mesmo tempo paternalista de que o atendimento de direitos fundamentais por meio de aumento dos gastos públicos e dívida seria pior para a própria população mais pobre:

“A pandemia do coronavírus e o fim do auxílio emergencial agravam uma situação que será intolerável em 2021. Ao mesmo tempo, a elevada dívida pública é um risco para as famílias mais pobres, ameaçando-as com as consequências do baixo crescimento econômico e a inflação” (PL 5343/20, p. 41).

Finalmente, o terceiro ponto do projeto é definitivamente o seu objetivo central: uma reestruturação do bolsa família, que impõe uma poupança forçada ao beneficiário. Estabelece-se um limite de R$156 de renda per capita acima do qual, em vez de receber o benefício de imediato, o governo depositaria um percentual da renda individual em uma poupança (Poupança Seguro Família), que só poderá ser sacada pelo beneficiário caso sua renda caia abaixo do referido limite, ou nos casos de morte dos provedores de renda, calamidades, desastres e período de defeso (para pescadores). A justificativa para tamanha falta de liberdade imposta pelos liberais aos mais pobres é a de que R$156 seria grande prova de que há um contingente de pessoas que não sofre de forma estrutural, mas apenas com vulnerabilidades conjunturais que os colocam abaixo dessa linha.

“…há um grande contingente de famílias que, em condições normais, é capaz de gerar renda e se manter acima da linha de pobreza. Porém, essas famílias são muito vulneráveis a choques que interrompam as suas atividades, seja por uma pandemia, seja por doença dos seus trabalhadores ou uma recessão. A forma que se mostra mais adequada para atender essas famílias não é por meio de transferência de renda em caráter regular, mas sim pela instituição de uma espécie de seguro que suplemente sua renda nos momentos de necessidade, quando esta se reduz.

Trata-se de situação distinta daquela vivida pelas famílias em pobreza extrema e estrutural que, mesmo trabalhando, não são capazes de gerar rendimentos superiores às linhas de pobreza estabelecidas. Para essas, o instrumento mais adequado é, efetivamente, a transferência regular de renda, nos moldes do Programa Bolsa Família” (PL 5343/20, p. 24).

De acordo com o projeto, o saldo da poupança poderá ser usado como garantia para operações de microcrédito, podendo ser apropriado pela instituição financeira credora, caso a parcela de crédito tenha atraso de 90 dias. É realmente um sonho para o credor, um fluxo direto de dinheiro do governo para a instituição financeira, que pode impor os juros que quiser, e que recebe, ao fim e ao cabo, a poupança do beneficiário mais as infindáveis parcelas que este irá se esforçar para pagar.

O PL estabelece ainda uma outra poupança forçada, na qual o governo depositará R$20 mensais por estudante, que só poderá ser resgatada pelo beneficiário quando este concluir o ensino médio[xv]. De acordo com os formuladores do programa, tal incentivo monetário e meritocrático auxiliaria no combate à evasão escolar porque, na opinião dos autores, a população pobre desconhece os altos retornos econômicos do Ensino Médio e Superior, então o papel dos economistas é elucidá-la de forma didática:

Os retornos econômicos do Ensino Médio e do Ensino Superior, apesar de altos, são largamente subestimados pelos jovens e suas famílias, sendo um dos fatores que pode explicar os altos índices de evasão escolar na transição do Ensino Fundamental para o Médio (…) Por isso propomos a instituição de poupança a que terá direito todo estudante regularmente matriculado na rede de ensino que seja membro de família habilitada a receber o BRM, de maneira a incentivar a conclusão do ensino médio (PL 5343/20, p. 27).

Ambas as poupanças poderão ser alocadas em qualquer instituição financeira escolhida pelo beneficiário, o que aumentará o montante disponível nos bancos, consequentemente, aumentando o poder de criação de moeda bancária e lucro. Os elaboradores do projeto são de fato muito refinados, pois conseguiram resolver, para os bancos, o problema fundamental dos benefícios assistenciais, explicitado com o auxílio emergencial: a maior parte não fica nos bancos, pois as pessoas sacam dinheiro físico e gastam em pouco tempo, não mantendo depósitos[xvi]. Ou seja, a preocupação com nossos compatriotas padecendo na pobreza levou os economistas a equacionarem um fluxo direto do governo para os bancos, por meio de poupança forçada. A estimativa é de, em média, R$ 39 mensais na Poupança Seguro Família, abrangendo cerca de 12,5 milhões de famílias, e de R$ 20 mensais por estudante até o fim do Ensino Médio, para cerca de 6,7 milhões de famílias[xvii]. Com esses números fica mais fácil de entender o interesse do mercado financeiro em manter um think tank para a elaboração de políticas públicas.  

Por fim, é sempre bom reiterar que a ideologia da austeridade cumpre diversas funções e nenhuma delas se relaciona à alegada preocupação com déficits ou dívida. Todas, porém, objetivam a restrição e a descaracterização do papel do Estado e o acúmulo de capital. Como fica explícito com as mudanças constitucionais e reformas recentes, os projetos de austeridade são funcionais à acumulação por diversas vias: (i) a focalização de políticas públicas em detrimento de políticas universais, (ii) a cisão da classe trabalhadora (formais versus informais, setor privado versus setor público), (iii) a depreciação do setor público e dos servidores, (iv) a chantagem permanente para a liberação de verbas, (v) a pauperização da classe trabalhadora, que fica totalmente vulnerável e impelida a aceitar piores salários e piores condições de trabalho, (vi) a oferta privada de serviços anteriormente públicos e (vii) a alienação de setores estratégicos e patrimônio público ao setor privado.               

A pandemia é mais uma vez oportunamente utilizada para impulsionar reformas e projetos neoliberais que estavam na gaveta. O PL adiciona refinamento aos modos clássicos de acumulação por meio da austeridade, conseguindo unir em uma só arquitetura os objetivos aparentemente antagônicos de restringir gastos públicos, institucionalizando a chantagem dentro do orçamento, e garantir uma reserva pública para o setor financeiro privado. Por sua vez, aqueles que figuram como beneficiários no texto do projeto, pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza, continuarão subindo e descendo alguns reais em linhas quantitativas, a depender da conjuntura e da intensificação da própria austeridade. Se por um lado, a pandemia mostra a verdade sobre o gasto público, ela também mostra que a verdade não importa por si só, pois as forças políticas determinam o que pode ser aceito à margem dela. Por enquanto, infelizmente, ainda é fácil dizer que não há dinheiro para todos e fazer da miséria um grande negócio.

*Isabela Prado Callegari é pesquisadora do Instituto Justiça Fiscal, mestra em Teoria Econômica pela Unicamp e graduanda em Direito pela UFRGS.

*Queren H. B. Rodrigues é Economista na Secretaria de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Osasco/SP e mestranda em Teoria Econômica pela Unicamp.


[i] https://cdpp.org.br/pt/2021/03/21/o-pais-exige-respeito-a-vida-necessita-da-ciencia-e-do-bom-governo/

[ii] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/145655

[iii] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/quando-os-neoliberais-usam-mascara-de-independentes/

[iv] https://cdpp.org.br/pt/sobre/

[v] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2021/01/solidariedade-social.shtml

[vi] https://outraspalavras.net/outrasaude/a-conta-distorcida-que-maquia-o-teto-de-gastos/

[vii] https://cdpp.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Justifica%C3%A7%C3%A3o_PEC.pdf

[viii] https://www.youtube.com/watch?v=rRswefXBYj8

[ix] https://economia.ig.com.br/2021-03-14/em-meio-a-crise-fila-do-bolsa-familia-passa-de-21-milhoes-de-grupos-familiares.html

[x] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/vidas-importam-e-a-austeridade-mata/

[xi] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8909676&ts=1612808846722&disposition=inline

[xii] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8909676&ts=1612808846722&disposition=inline

[xiii] Argumento apresentado já nos anos 1970 por BUCHANAN, J. & WAGNER, R. The Political Legacy of Lord Keynes. New York: Academic Press, 1977, e que perdura até hoje.

[xiv] https://mmtbrasil.com/covid-19-a-pandemia-ensina-ao-mundo-a-verdade-sobre-o-gasto-publico/

[xv] https://www.psdb.org.br/acompanhe/noticias/tasso-apresenta-proposta-para-criacao-da-lei-de-responsabilidade-social-objetivo-e-reducao-da-pobreza

[xvi] https://valorinveste.globo.com/produtos/servicos-financeiros/noticia/2021/04/23/dinheiro-fisico-ganha-espaco-na-economia-em-meio-a-pandemia.ghtml

[xvii] https://www.psdb.org.br/acompanhe/noticias/tasso-apresenta-proposta-para-criacao-da-lei-de-responsabilidade-social-objetivo-e-reducao-da-pobreza